UM SOPRO DE VIDA

14 2 0
                                    


Norman nunca havia se arriscado em um vôo noturno, mas era uma decisão fácil. Não fazia sentido continuar em NY quando havia feito todos os arranjos que precisava e outros, que dependiam de acordos legais, teriam que esperar?

Por isso, trocou uma noite de sono sozinho naquela cama por uma aventura a trocentos mil pés de altura. Mesmo assim, era impressionante como um vôo particular chegava ao destino consideravelmente mais rápido. Com relativa facilidade conseguiu um carro por aplicativo que o deixou no portão principal do acesso à propriedade, mesmo que desconfortável, preferiu ele mesmo carregar sua bagagem, que não era muita e cabia na mochila grande e duas malas grandes com todos os presentes que Marianne dera aos netos. A noite estava no auge da escuridão, o que significava que logo amanheceria quando colocou os presentes de Marianne na garagem, viu o carro de Jeffrey e Iza estacionados e subiu os degraus da entrada da casa, com cuidado para que ninguém acordasse.

Izzy e Ian dormiam como anjinhos, os cachinhos de querubim dos dois espalhados sobre os rostos gorduchos e rosados. Cuidadosamente afastou os cabelos do rosto dos dois, cobrindo-os com seus cobertores. A porta entreaberta no último quarto na face norte eram o sinal de que Iza e Jeffrey estavam dormindo lá. Virou-se para o lado Sul, onde havia apenas a porta do banheiro ao lado do quarto das crianças e seu quarto no final, de frente para o corredor. A porta estava aberta e via Ally deitada ali, a perna para fora do lençol, sua camiseta e suas calças de flanela no chão. Sentou-se com cuidado na beirada da cama,observando-a respirar lenta e profundamente, os braços escondidos debaixo do travesseiro e os ombros frios por cima do lençol.

"Como eu vou contar para ela? Ela confiou em mim...depois de tudo que já fiz, finalmente somos exatamente o que queríamos..."

Não sabia mais sequer se continuaria com o filme. Mesmo que uma multa pesada viesse, era um preço bem menor do que as brigas que eram óbvias que aquele filme trariam. Precisava de uma segunda opinião, mesmo que a magoasse.

Talvez nem sequer a magoasse; talvez Ally ficasse furiosa. E com razão. Ele mesmo, se aquele amigo dela tentasse alguma coisa, mesmo que não gostasse, não podia garantir que saberia se controlar diante da tentação de dar ao menos um belo soco. Havia aquela mensagem, que ela não comentara nada a respeito. Tinha tempo para perguntar a respeito, mesmo que tivesse certeza que não era importante. Desde quando ele chegou em São Paulo até o último minuto juntos em NY ela não falou uma vez sequer o nome dele, logo...desconfiava que de alguma forma, ela haveria repensado a respeito de apoiar sua carreira na lealdade a uma amizade estranha como a dele.

Ele não queria, mas simplesmente devia contar. Mesmo que ela ficasse furiosa, com ele ou com a Diane, mesmo que a magoasse. Não era uma menininha, sabia que era a maior prova de confiança, não havia nenhuma opção melhor do que se manter honesto. Era fácil ser honesto quando tudo estava bem, mas que valor teria a honestidade sem testes?

E era um teste e tanto. A lembrança daquela sensação pesada no peito, enquanto o avião decolava, algo que dizia que poderia ser a última vez qualquer vez parecida com aquela voltou com uma pressão forte no peito que não fazia sentido nenhum. Afastou uma mecha de cabelo que cobria seu rosto, acariciando com cuidado o rosto imóvel.

— Ally? Shoo? ... — ele sussurrou tocando-a com cuidado. Aos poucos ela acordava, via pelos cílios trêmulos e a respiração que ficava mais breve. Abriu pouco os olhos, ele podia ver um brilho pequeno das pupilas atrás dos cílios pesados.

— Hey... — ela sussurrou, ainda com um olhar um pouco vítreo e semicerrado. — O que aconteceu? Está tudo bem?

— Só quis voltar antes. — ele sussurrou ainda tocando seu rosto. Alguma coisa parecida com uma pata de elefante dentro do peito fez com que ele se curvasse sobre ela, abraçando-a como uma boneca.

— O que houve? — Ela perguntou retribuindo lentamente o abraço enquanto tentava se livrar do sono.

— Eu nunca vou deixar você ir, Ally. Eu te amo, demais, demais mesmo.

O tom da voz dele era um pouco preocupante, se não, assustadora.

— Eu sei, Norm...Por que você está dizendo isso? — sussurrou enquanto se soltava de seu abraço. Os olhos dele pareciam brilhar, mas eram lágrimas que deixavam seu olhar pesado. — Eu não vou para lugar nenhum, Norm. O meu lugar é aqui.

— Você pode me prometer isso? Que nunca vai embora?

Era muito estranho vê-lo com aquela mesma tristeza que andava atormentando sua cabeça. Se perguntou se talvez ele já não soubesse do que havia acontecido com o Marco. Até mesmo cogitou que ele mesmo tivesse contado para o Norman, até mesmo inventando coisas que não aconteceram. Segurou seu rosto com as duas mãos, beijou com carinho sua boca.

— Não tenho para onde ir, Shoo...vem aqui... — Ela disse interrompendo o beijo. Ele segurava a mão dela em seu rosto, pedindo que não o soltasse. — Não existe outro lugar nesse mundo que eu queria estar se não for com você.

— Eu também. Você entende isso? — Ele perguntou encostando a testa na dela. — Ally, eu fico perdido sem você. Eu não funciono para nada se não souber que você ainda está aqui.

— Por que você está falando essas coisas, Norman? Estava feliz por você chegar mais cedo, tão de repente, mas...você está começando a me assustar.

— Fiquei com uma impressão ruim. De que poderia te perder a qualquer momento...Não queria mais ficar lá também, consegui um vôo noturno que me custou um rim, mas precisava chegar aqui, e logo.

Ela respirou fundo, e depois de um suspiro, puxou os lençóis para que ele se deitasse ao seu lado. Ele a abraçou de novo, o rosto encostado em seu peito.

— Não é só a sua falta. Você entende, tudo que mudou na minha vida, talvez não tivesse mudado se você não estivesse na minha vida? Você me mostrou que eu podia ser melhor. Eu criei vontade e coragem de ir além, no meu trabalho, no meu comportamento, tudo isso foi só por você estar aqui, entende? E me deu duas crianças lindas, porra, você...eu não sei se eu tinha de fato, um sopro de vida.

— E isso estava rondando na sua cabeça?

— Você sempre fala que eu faço muito por você, eu mesmo fui um cretino várias vezes jogando na sua cara. Acho que nunca te disse isso, mas o que você faz, não por mim, mas na minha vida. Se você soubesse, saberia que qualquer coisa que eu fiz por você, é muito pouco.

— Norm...

— A única coisa que eu peço, que você não vá embora.

— Eu não vou para lugar nenhum, Norm. Eu amo você. Se acalma, está tudo bem, você está de volta...eu não podia estar mais feliz do que com essa surpresa...fica aqui, vem...descansa um pouco...está tudo bem agora.

Ele adormeceu em seus braços como um menino, como o Ian dormia quando tinha pesadelos. Ela também adormeceu, por apenas mais algumas horas, já que as primeiras luzes do dia apareciam em azul escuro entre as árvores pela janela. 

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora