SOBRE O ORGULHO

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Era mais uma noite em que Ally passou mais tempo virando de um lado para o outro do que dormindo. Aos poucos, sentia que estava prolongando algo que não tinha necessidade, mas ao mesmo tempo o outro lado de sua mente insistia que não podia deixar que ele a dominasse daquele jeito.

Sabia que aquele lado era o seu orgulho, mas quando ele mandava alguma mensagem, ligava ou até mesmo naquela aparição repentina no meio da tarde, instintivamente formava uma carcaça dura de atravessar. Os pensamentos se alternavam entre a convicção de que devia encontrar algum jeito de se acalmar e resolver os problemas como sempre haviam resolvido, e outro que insistia em justificar qualquer atitude que considerava exagerada com um argumento estranho que soava como "legítima defesa".

Mas defesa de quê? Alguma coisa deixara Norman inseguro, mas ao invés de conversar e tentar esclarecer as coisas, ela praticamente trancou suas portas e ele estava para fora de sua vida, ao menos em metáfora.

Haviam formas mais inteligentes (se não, mais eficazes) de resolver tudo. Por que tinha que ser tão cabeça dura?

Agora as crianças começavam a perceber que alguma coisa estava errada. Ian perguntava durante o café-da-manhã sobre ele, e quando chegava em casa no final do dia, procurava pelo Norman. Izzy estava dengosa, queria colo o tempo todo. Não podia fazer isso, seu orgulho começava a atrapalhar até as crianças, que não tinham culpa nenhuma. As crianças sempre pagam, em proporções menores ou maiores pela ignorância dos adultos.

Quanto a ele...bem...ao menos estava com o amigo. Certa vez, muitos anos atrás, um ex-namorado que desconfiava sempre de todos os amigos dela, estava bêbado e cheio de certeza que ela o estava traindo, mesmo que não tivesse passado sequer um segundo com qualquer outro homem que não fosse ele. Depois de meses se sentindo presa em uma cilada, prendendo a respiração sempre que algum amigo a cumprimentava, mesmo que ele estivesse bem ao seu lado, terminou o relacionamento. Dia seguinte esse ex-namorado invadiu sua casa subindo pelo telhado. Riu um pouco com a lembrança, não porque fosse engraçada, mas pelo absurdo. Ele pulou o telhado pensando que a flagaria na cama com algum outro homem, algo que fizesse ele dizer que sabia que ela o traía. Mas estava na sala, jogando videogame, sozinha. A situação toda acabou muito mal, só não foi pior porque a vizinha ouviu ela gritar e chamou a polícia.

"Podia ser pior. Só perdi alguns móveis e a televisão que explodiu quando caiu no chão", pensou. Mas sabia que não era assim; apenas tentava amenizar a lembrança ruim. Podia ter sido pior, mas não significa que não foi ruim. Ficar tremendo de medo e de raiva não era a descrição de uma lembrança boa, afinal. Acontece que este não foi o primeiro namorado que a fez sentir que não podia sequer olhar distraída para o lado. Era uma situação que se repetia muito. Alguns meses depois, soube que aquele ex-namorado a traía constantemente, e dizia para as outras mulheres que ela era a traidora, e que ele estava se vingando.

Era diferente agora. Não conseguia sequer imaginar Norman com outra mulher. Mesmo quando assistiam juntos filmes dele, não via Norman, nem mesmo contracenando com outra mulher. Só via o personagem. Ele tocava de outra maneira, abraçava de um jeito completamente diferente e o olhar era completamente diferente do que aparecia nas telas.

Quando os pensamentos começaram a falar mais baixo, conseguiu dormir, mas ao acordar com o ruído que vinha do quarto das crianças, tinha a impressão que havia apenas fechado os olhos por alguns segundos.

A raiva estranha que sentia dele começava a virar saudade, mas uma saudade triste. Ele não fazia mais questão nenhuma de voltar para casa depois da última tentativa. Ela havia percebido, mesmo que em silêncio. Quando vinha para casa, chegava cada vez mais tarde. Podia jurar que algumas noites apenas o ouviu entrar na casa, não no quarto. Desconfiava que ele preferia dormir no sofá do que deitar-se ao lado dela. Mas ela mesma não sabia como iria fazer para chamá-lo de volta.

Aquele dia se arrastou mais devagar que todos os anteriores, ainda pensando em soluções para o dia passar logo fazia os ponteiros do relógio arrastarem o passo. Não era apenas por causa dele; não queria falar com ninguém, não queria falar a respeito do atrito que tiveram, não queria falar sobre como se sentia, não queria falar sobre qualquer coisa. Com certeza a Iza estava magoada com ela também. Provavelmente Jeffrey estava triplamente chateado. Por Iza, por Norman e por ele mesmo.

Se estava em uma situação infernal, bem, havia pintado sozinha aquele cenário. Virou mais uma vez, olhando para o teto. 

-- Merda...só um milagre, e um dos grandes...só com um desses que vou resolver esse enrosco...

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora