Era quase um ritual diário.
Algumas mulheres gostam de limpar o rosto, passar cremes antes de dormir. Outras lêem um pouco mais de um livro, alguns homens dão uma última de longa olhadinha no celular ou vêem TV sem necessariamente estarem vendo as notícias.
Ally toda noite, assim que as crianças dormiam, tinha um ritual todo seu, logo depois de conferir pela terceira vez que o Ian não havia descoberto as costas enquanto dormia. Descia para a cozinha, tomava um gole de água, jogava o restante na pia (e por algum motivo sempre tinha que sobrar um pouco para jogar na pia), colocava um casaco mais pesado sobre a camisa do pijama, pegava uma manta do sofá da sala e se sentava na varanda com um maço de cigarros. Às vezes fumava um cigarro e voltava para a cama. Outras vezes passava uma, duas horas distraída com lembranças de um passado que estava há quilômetros de distância, ou revisitava ressentimentos. Nessas últimas, acabava fumando alguns a mais. Outras vezes apenas olhava a noite vazia, bocejava entediada enquanto programava o que tentaria fazer no dia seguinte. Mesmo sabendo que fazer planos era a receita perfeita para a frustração, não conseguia se forçar a largar aqueles hábitos todos.
Estava em uma noite dessas. Não estava com sono, não iria subir tão cedo, mas não estava com ressentimentos e mágoas antigas em mente. Estava satisfeita. Norman estava de volta, a rotina de gravações voltaria logo e tudo parecia aos poucos voltar para sua ordem natural. A maior prova dessa normalidade havia acabado de atravessar a porta e se sentava no peitoril da varanda diante dela.
Mingus estava crescendo e estava rápido. Ally notou que apesar do tamanho, ainda tinha aquele ar de menino, do menino que um dia criou coragem de tirar suas dúvidas sobre a primeira paixonite de escola com ela. Ele olhava por cima dos ombros para o gramado lá fora, como se procurasse alguma coisa.
"Ele ainda é aquele menininho, ainda vai ser por um tempo." Pensou enquanto o observava. Deu um trago no cigarro e soprou a fumaça devagar enquanto escolhia o que dizer.
— Vai demorar muito para você criar coragem e me dizer o que está fervilhando na cabeça?
Mingus olhou para ela com um sorriso constrangido. O mesmo sorriso do pai, cada vez mais nítido. — Porque eu acho que vou precisar de um pouco de café...se precisar desse tempo, até eu ir buscar...
— Eu...você...
— Sim? O que tem eu, o que tem você?
— Não, espera... — riu outra vez balançando a cabeça, mais constrangido ainda. — Você ficou brava comigo? Se eu soubesse que faltava tão pouco para a Izzy nascer, eu...
— Não, não fiquei brava, Ming. Sério, de forma alguma. Mas com o passar do tempo sem nenhum sinal de vida, comecei a ficar preocupada. Todos nós, afinal.
— Eu não quis...eu não estava ignorando vocês, eu juro. Só...me perdi no tempo, acho...
— Quem é ela, e o que deu errado? — Ally se levantou enquanto acendia mais um cigarro. Mingus hesitou por um momento, gaguejou enquanto tentava descobrir quando deu essa brecha.
— Como você sabia?
— Eu não sabia. Quer dizer, não tinha certeza, mas agora tenho. Vamos, pode começar a contar.
— É a mesma. Quer dizer...é, mas não é. É outra, que...
— A mesma aquela que você desconfiava que não gostava de você exatamente.
— Sim, essa mesma. A gente até começou um namoro, mas aí...era mesmo o que eu pensava.
— E aí...? Doeu, né...
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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.
ChickLitForam dois anos de esforços, tentado sustentar a relação e finalmente conquistar a confiança de Ally. Mas será que esses esforços bastavam? Com a relação evoluindo ao passo que a carreira de Norman avança, más decisões farão mal a todos. Mas será me...