2. A PRIMEIRA VOLTA DO PARAFUSO

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2.1— A CALMARIA QUE ANTECEDE

Ter a companhia de Mingus e Marianne enquanto Norman passava o dia fora entre as gravações da série e a ponta que fazia de um filme faziam toda a diferença para Ally. Estava sempre com pelo menos uma das mãos ocupadas. O telefone tocava, Izzy precisava ser amamentada, a hora de buscar Ian na escola, o jantar, o trabalho (mesmo que Marco sempre insistisse que boa parte da comunicação com as editoras estrangeiras fosse trabalho seu, Ally gostava de estar sempre em dia com cada negociação).

Mas naquele momento, a data de partida de volta para o Brasil estava cada vez mais perto, e com ela, os preparativos que se acumulavam. A parte difícil era estar agora, sem a colaboração de Marianne, que havia acabado de partir.

Foi uma época que estava tão atribulada que sequer pôde acompanhar Norman e Marianne até o aeroporto. Tentava organizar mentalmente as tarefas do dia enquanto já realizava algumas menores, como a troca de fralda de Izzy enquanto ouvia atentamente a redação que Mingus preparava para entregar depois das férias, quando ouviu Norman chegando em casa.

— Elvis está na casa...Priscilla?

— Aqui atrás! — a voz vinha do quintal. Ally colocava Izzy de volta na cadeirinha de descanso, acompanhando enquanto Mingus usava sua escrivaninha para continuar a redação.

— Você chegou cedo, cancelaram as gravações hoje?

— A gravação de Senoia acabou, mas ainda tenho que terminar de gravar o filme.

— Esse foi rápido.

— O meu personagem morre bem no começo. Foi o que deu para fazer para dar conta de tudo. E você, carinha, o que está fazendo?

Ian mostrou uma bola de massinhas. As cores estavam tão misturadas que resultavam em uma cor meio acinzentada que sequer conseguia pensar em um nome específico.

— Você pode olhar o Ian por um minuto? Ainda não consegui fazer o jantar e estamos todos com fome aqui...

— Não vai dar, passei só para avisar que a minha mãe já está a caminho de NY, e pegar a moto.

Ela pareceu desapontada, mas apenas encolheu os ombros.

— Bem, hoje vai ser pizza, então. De novo...

Só ela parecia desanimada, mas haviam sempre alguns dias assim. Ao menos não era mais o ritmo turbulento quando ele acumulava duas ou mais gravações, e por dias os fusos horários se desencontravam de tal maneira que ele chegava quando ela estava prestes a acordar, ou no meio da tarde para dormir e ir para o set durante a noite. Era como se só vissem um ao outro adormecidos.

Ou seja, podia ser pior.

— Perfeito, vocês comem pizza enquanto eu saio para ser assassinado...

— É hoje que o seu personagem vai morrer?

— Hoje mesmo, o grande dia. — Respondeu enquanto pegava o capacete e a chave.

— Bem...tenha uma boa morte. Tomara que seja rápida.

— Espero que seja rápida, também. Odeio quando tenho que morrer mais que duas vezes na mesma cena. Bem... Elvis has left the building...

— Divirta-se morrendo. Vou guardar uma fatia de pizza de oferenda quando você voltar.

 Vou guardar uma fatia de pizza de oferenda quando você voltar

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Mingus havia terminado a redação e deixou-a em cima da mesa.

— Ally, você vai dar uma última olhada?

— Conforme o combinado. — Piscou para ele. — Mas não agora, tenho que alimentar nosso exército, tudo bem?

— Não tem problema nenhum. Afinal, tenho um mês até acabarem as férias.

— Por isso você quis fazer tudo agora?

— Sobra mais tempo para outras coisas.

— É bem esperto da sua parte...Mas deixa pra lá...

— O que?

— Só estava me lembrando...eu era a pior aluna da escola. Raramente fazia lição de casa, ou entregava os trabalhos no prazo...mas esquece, isso foi há muito tempo. Pizza, então?

— Peperoni?

— Fechado.

Ally suspirou por dentro enquanto se lembrava de uma boa pizza de frango com Catupiry em sua pizzaria favorita em São Paulo. Agora faltava pouco.

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Anoiteceu, amanheceu e nenhum sinal de Norman. Não que Ally estivesse esperando, mas a cada dia estava mais perto das férias dele e Ally não imaginava que ficaria tão ansiosa em voltar para casa, mesmo que fosse apenas por uma semana.

Era por volta de meia-noite, as crianças todas já dormindo, finalmente Mingus estava cansado depois de horas conversando com Ally na sala. Deitou-se no sofá no nível mais baixo da sala, ligou a TV esperando ver um filme, mas mal passou da introdução e já estava desmaiada de sono.

Por outro lado, Norman estava acostumado a desligar a moto alguns metros antes do portão nessas ocasiões empurrou-a até a porta da garagem. O céu noturno estava limpo e nenhum sinal da menor brisa, logo, sem previsão de chuva não precisava se preocupar em guardar na garagem.

Estranhou um pouco a luz azulada e oscilante que vinha da janela maior, mesmo assim, entrou com todo o cuidado, deixou as chaves e a jaqueta ao lado da porta. A TV estava ligada como presumira, talvez Mingus tivesse caído no sono, então pegou uma manta leve que ficava dobrada na poltrona ao lado do sofá. Quando foi cobrir que percebeu que não era Mingus, mas Ally deitada ali. Cobriu a cabeça e o rosto com a manta, se agachou bem próximo do rosto dela, pegou a ponta do cabelo para fazer cócegas em seu nariz.

— Adivinha quem voltou dos mortos?

Ally ainda estava em sono profundo. Cutucou o nariz dela com a ponta do cabelo.

— Ally....Ally!..Carol Anne!...Carol Anne...!

Se sentou no chão com o peso da frustração. Era uma oportunidade imperdível de dar um susto, mas nada funcionava. Mas ainda tinha um plano. Cobriu novamente o rosto com a manta enquanto passava a ponta dos dedos na sola do pé descalço.

Não tinha como dar errado.

Ela iria acordar e ele a assustaria.

E ela acordou, mas o susto foi todo dele, pois a tentativa de fazer cócegas não funcionou tão rapido quanto o chorinho que veio do quarto de cima. Como resultado, ela se levantou com um solavanco, e com o susto, ao se levantar não tinha a menor ideia que Norman estava bem de frente para ela, resultando em uma cabeçada tão forte em seu queixo que sequer teve tempo de gemer ou gritar ou qualquer coisa que não fosse despencar de costas no chão. Ally só percebeu quando já estava no quarto das crianças, acalentando Izzy e se perguntou no que havia tropeçado quando se levantou.

— Está tudo bem? — Ele perguntou quando finalmente conseguiu se levantar e subiu as escadas. Estava com a mão cobrindo o lado direito do queixo.

— Acho que eu que deveria perguntar....fui eu que fiz isso?

— Foi culpa minha, não esquenta...

— Como assim?

— Deixa pra lá. Se eu explicar você vai rir de mim...

Ally começou a rir na mesma hora, cobrindo a boca com o punho fechado para que Izzy não ficasse agitada.

— Tá vendo? E eu nem sequer contei o que aconteceu...

— Daqui a pouco você me conta...E vem cá...como foi a sua morte, afinal?

— Qual delas?

— A que você foi na noite passada...

— Essa foi fácil. Só precisaram me cobrir a cabeça com um saco plástico e dar umas facadas.

— Quantas vezes?

Ele levantou 4 dedos.

— Hm...Até que não foi tão mal...você já foi mais difícil de matar...

— Nem tanto, você quase me matou agora...

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora