DOCE SACRIFÍCIO

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Estavam ainda sentados, um ao lado do outro, mãos dadas e dedos entrelaçados. O único som audível eram os grilos e cigarras no lado de fora e o silêncio estava cheio de pensamentos que não seriam ditos. O momento de discussões e longas conversas que não chegariam a nada já havia passado e finalmente nenhum dos dois queria ter razão. Finalmente ambos queriam apenas os dias de paz de volta e o silêncio parecia pavimentar uma estrada firme para essa finalidade.

Ally olhou de soslaio para a janela. Raramente entrava naquele último quarto do corredor, nunca havia notado como a luz prateada do luar era mais forte ali, formando traços iluminados que passavam pelas folhas das aveleiras que ficavam atrás da casa. Levantou a cabeça do ombro de Norman e se endireitou olhando para a janela. Sem dizer uma única palavra, ele admirava o perfil dela, todo pontilhado por pequenos raios de luar que atravessavam a copa das árvores.

- Devíamos ter feito o quarto do Ian aqui. É mais claro, pelo menos.

Ele olhava agora para a mesma direção que ela. Curvou os lábios para baixo, como se estivesse pensando a respeito.

- Talvez...mas acho que essa luz passando pelas folhas, pode ser meio assustador para uma criança.

- Pareidolia?

- É bem comum em crianças da idade dele. Criatividade demais, acho...

Ally riu um pouco da observação dele.

- Quando eu tinha a idade dele, morria de medo de montar a árvore de Natal. Era daquelas de montar galho por galho, como a caixa ficava guardada num armário velho no quartinho dos fundos, todo ano eu tinha certeza que assim que eu abrisse a caixa e começasse a tirar os galhos, pegaria pelo menos uma ou duas baratas junto.

- Mas teve alguma vez que isso aconteceu para você ficar com medo?

Ela sorriu balançando a cabeça de uma forma que parecia uma garotinha fazendo uma charada de "adivinha o que eu tenho aqui atrás".

- E de onde você tirou essa conclusão, de que haviam baratas na caixa da árvore de Natal?

- Não sei. Quer dizer, tinha alguma lógica, uma caixa de papelão em um armário velho...Não sei se tinha essa noção na época, de que era o esconderijo perfeito para uma barata, mas eu tinha muito medo de barata. Elas podiam estar em todo e qualquer lugar.

- Quem montava a árvore então? Sua mãe?

- Eu e ela. Meu irmão, ás vezes.

- Mesmo com medo?

- Eu pegava os galhos com todo o cuidado e olhos atentos. - Ela piscou e sorriu com malandragem. - Não havia escolha, ou deixava de montar a árvore ou enfrentava o mesmo medo todo ano.

- Badass desde pequena...

Ela sorriu, visivelmente encabulada e voltou a olhar para a janela.

- Não muito...sou muito medrosa, sobre muitas coisas.

- Hey, hey, não vamos começar com isso de novo, ok? Acabamos de encerrar esse assunto... - Ele passou o braço novamente por cima dos ombros de Ally, puxando-a para mais perto. Ela se encurvou um pouco mais e recostou a cabeça.

- Acho que estou ficando cada vez mais jovem que o corpo - ele resmungou. - Deixa só eu me encostar um pouco, minha coluna não está ajudando. Melhor deitar.

Ainda com o braço sobre o ombro dela, puxou-a para mais junto dele enquanto se deitava na transversal sobre a cama, assistindo as folhas das aveleiras farfalhando com o vento leve e morno enquanto ele enrolava uma mecha do cabelo de Ally no dedo.

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora