- Eu sabia que vocês gostam de conversar por horas, mas hoje me surpreendi. - Disse Jeffrey enquanto roubava o cigarro da mão de Ally e se sentava no chão da varanda.
- Hoje à tarde? Não, não estava conversando com o Norman. Um amigo meu de São Paulo que ligou. Ele se tornou meu editor quando comecei a escrever os livros...Não havia nenhum outro que eu pudesse confiar.
- E o que o Norman acha disso?
Ally riu enquanto pegava de volta o cigarro, recostando-se de volta na parede ao lado da porta.
- Ele nunca se incomodou muito. Acho que a única crítica é que eu deveria tentar outro editor, mais..."profissional", é o que ele diz. Acontece que é uma coisa estranha, afinal, o Marco sempre foi um cara que eu admirava muito, e quando ele se ofereceu para ser o editor, fazer todo o meio de campo, eu não esperava...
- Era bom demais pra você?
Ally concordou balançando a cabeça. Jeffrey olhava para ela esperando que houvesse mais alguma explicação.
- Bem, eu não conheço nada a respeito dele, mas se é o que você diz... Mas pensei em uma coisa aqui: o Normy é um cara que sempre teve mais sorte do que azar. Sabe, aquele negócio de estar no lugar certo e na hora certa? Hoje em dia, cada vez mais me parece que ele abriu a carta certa no momento certo também.
- E o que isso tem a ver?
- Talvez você se subestime demais em achar que alguém é bom demais para você. Até mesmo o Normy. Acredito mais que ele tenha sido o sortudo em abrir a sua carta do que você quem tenha tido a sorte de sua carta ser lida. A diferença é essa...alguns conseguem o que precisam por sorte, outros por se colocarem em um caminho para receber o que de fato merecem.
- Então eu não tive sorte com o Norman?
- Não...você merecia ele...e soa esquisito, como um castigo, mas não é isso que eu quero dizer. É mais como...por tudo que ele fez e ainda faz por você, e isso eu digo com conhecimento de causa, é porque merecia que ele se esforçasse para merecer você. Se continuasse a contar somente com a sorte, te perderia assim. - Estalou os dedos. - E talvez seja assim o seu trabalho com o Marco. Por isso que você aceitou quando ele se ofereceu para trabalhar com você. Não por sorte, mas acredito que um cara que tenha visto de perto o que o Norman só ouviu você contar... as coisas que ele me contou... Acho que ficaria feliz em participar de uma etapa menos...pesada da sua vida.
- Tudo isso, hm? Vocês sempre falam como se eu estivesse completamente alheia à minha própria vida.
- É porque às vezes você fica, mesmo. Quando tudo começa a dar certo você não permite que as coisas aconteçam. Como foi que você me disse aquela vez em NY? que tudo podia acabar de um segundo para o outro?
- Eu estava tentando te ajudar...mudar a perspectiva e deixar o que tinha acabado para trás...
- O Normy ficou bem assombrado quando você disse aquilo. Claro que eu não ia falar nada ali, aquele nem sequer era um bom momento, mas parecia mesmo que você estava lá, com ele, já pensando em ir embora.
- É só uma garantia, Jeff. Esperar pelo pior, acho...mas não exatamente isso.
- Porque você sempre acha que não merece. Quando alguma coisa dá certo, você cisma que é sorte, elimina todo seu próprio mérito e chama de "sorte". - Estendeu a mão pedindo um cigarro, que Ally entregou e ele acendeu. - É a mesma coisa com esse cara. Se ele é tão bom quanto você diz, ele sabia que você chegaria onde está e aposto o que você quiser: ele sabe que ainda não é o topo da montanha.
- Eu nem sequer saberia onde é isso, Jeffrey. Eu gosto de onde estou agora. Minha ambição não vai tão longe.
- Não? Espere até chegar lá antes de dizer isso. Eu sei disso, o Normy sabe...com certeza esse tal de Marco também sabe. Além da Iza, da Jo, a Marianne, o Mingus, a Helena...todos nós sabemos.
- Ainda não entendi o motivo de toda essa conversa, Jeff...
- Só quis dar um pouco de ânimo, acho. Acho que em retribuição, depois daquela briga entre eu e a Iza...
- Eu não fiz nada, só deixei que ela ficasse comigo uns dias para vocês dois se acalmarem um pouco...
- Às vezes é a única coisa que precisamos, mesmo. Além do mais, o Normy é meu irmão de outra mãe...
- ...Você deve saber de algo que eu não sei, então...
- Eu sei a mesma coisa que você. Mas talvez por eu estar em outra perspectiva...Um exemplo: quando a Izzy nasceu, como você entende que ficaram as coisas?
Ally riu um pouco sem vontade. "Caóticas", foi a resposta imediata porque não havia outra palavra que definisse com precisão. Jeffrey riu um pouco em resposta.
- Lógico que ficaram caóticas, não esperaria por nada diferente. Mas e quanto ao Norman? Como você acha que foi essa mudança toda lá no fundo, no universo particular dele?
Ally percebeu que nunca havia pensado nisso. De certa forma, e essa forma era bem estranha, era como se Jeffrey tivesse apontado uma lanterna em um canto escuro de sua mente que estava esquecido.
- Do que me lembro das primeiras semanas, mesmo com tudo caótico, ele estava sempre com um novo brilho nos olhos. E mais disposto e mais...próximo, de uma forma nova...Não é como se ele nunca estivesse próximo, mas era um lado dele que eu não imaginava, não sei explicar.
- Com relação a você ou à Izzy?
- Lógico que a Izzy. Até mesmo com o Ian. É uma parte boa da vida, sabe. Trabalhamos em equipe, pode-se dizer...
- Tudo bem, mas e com relação a você? Como você acha que ele estava se sentindo em relação a você?
- Isso é complicado....Eu não fiquei muito fácil de lidar...Talvez uma megera rabugenta...faz sentido, não?
- Ally...quem viu isso foi você. Você acha mesmo que ele não me falaria nada? Talvez eu esteja quebrando algum tipo de pacto entre irmãos aqui, mas que se foda, parece necessário quebrar esse pacto agora. O que eu ouvi ele dizer foi: "ela é mais forte do que eu pensava que sabia.". E contou sobre o parto, sobre o Ian estar por perto, contou tudo que poderia contar. Você podia estar rabugenta, mas o que o Normy estava vendo não era nada disso.
- Mas a gente custou a se entender depois que a Izzy nasceu. Foi a parte mais difícil.
- Ele NÃO SABIA como lidar com você. Cada vez que ele pensou que você precisava ser amparada de alguma forma, mesmo quando a culpa era dele mesmo, não demorou muito para ele descobrir que não era necessário. Quando você não confiava nele, sem acreditar em nada nem em ninguém, ele fez de tudo para ganhar a sua confiança, com toda a paciência. E quando a Izzy nasceu, não foi só a bebê...Ele se sentiu...pequeno perto de você. Entende? Então se for para o seu bem e o dele, não vejo motivos para não aceitar uma ajuda tão pequena e tão... tímida como a que ele ofereceu agora. Ele sabe que você conseguiria sem ele, mas acho que o que ele quer é uma brecha por onde ele possa fazer parte de você. E agora sim, vem a parte da bronca: o seu orgulho está deixando ele fora da sua vida.
Deu um trago no cigarro e se levantou, deixando Ally sentada ali, pensativa.
- Que você não precisa da ajuda de ninguém para conseguir o que for, todos nós sabemos. O que você não sabe é que a única forma que o Normy fica realmente feliz, é quando você está também. Se chama "casamento", por mais que você tenha medo da palavra.
Jeffrey desceu os degraus em direção ao enorme jardim da fazenda, deixando Ally sozinha ali com os pensamentos. Talvez seria um bom momento para telefonar para Norman. Entrou e pegou o celular em cima da mesa.
Ninguém atendeu.
"Merda, esperei demais....bem feito pra mim"
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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.
ChickLitForam dois anos de esforços, tentado sustentar a relação e finalmente conquistar a confiança de Ally. Mas será que esses esforços bastavam? Com a relação evoluindo ao passo que a carreira de Norman avança, más decisões farão mal a todos. Mas será me...