CONFIANÇA

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Ela se manteve imóvel, os olhos fechados e a respiração o mais contida quanto era possível. Apenas quando percebeu que Norman estava se virando para o outro lado, já adormecido que percebeu que não estava respirando.

Durante todo aquele dia, não quis mais nada além de resolver tudo de uma vez por todas. Lamentava o projeto com Marco para o teatro precisar ser abandonado, e se odiava por se submeter àquele lugar. Por mais que soubesse que era uma atitude extrema demais, não queria mais brigar, não queria mais aquelas discussões, então quando ligou para o amigo, precisou se esforçar o dobro para falar normalmente. Mesmo assim sem sucesso, não conseguia explicar nada pois a voz saía trêmula a cada frase.

Ele entendia os motivos que ela teve para desistir da peça. Entendia o quanto era difícil, depois de tudo que havia criado e trabalhado ter que jogar tudo para o alto. Até mesmo o pedido dela, para que Marco nunca mais escrevesse, por mensagem, e-mail ou o que fosse, Marco entendia muito bem, ela não precisava explicar. A forma que ela havia falado naquela tarde deixava bem claro qual era o problema e o quanto se sentia constrangida com a atitude que estava tomando.

Bem, ele disse que entendia, que ela não precisava explicar nada. Era ótimo que ele entendesse, mas ela mesma não conseguia. Era uma parte da consciência que insistia que estava exagerando, que era uma atitude drástica demais, que estava antecipando as coisas. Poderia romper a ligação com o amigo depois que terminassem o projeto, não durante ele.

Mas longos anos de todo tipo de repreensão por ciúmes falavam alto em sua mente, cobrindo qualquer tipo de racionalidade. Não era a primeira vez que abria mão dos próprios planos para evitar atritos. O problema era: onde estava então a "paz" que ele sempre dizia que queria dá-la? Onde estava toda aquela segurança que ele havia feito tanto para transmitir para ela? Na primeira oportunidade em que ela esteve um pouco mais voltada para a própria vida, ele já estava lançando olhares e acusações! Não era isso que ela esperava de "uma nova vida". Era a mesma vida de sempre.

Ele virou-se mais uma vez na cama, e ela prendeu novamente a respiração, limpando o nariz com um lenço de papel que havia guardado debaixo do travesseiro. As lágrimas mornas escorriam pesadas pelo canto do olho até a ponte do nariz. Podia jurar que conseguia escutá-las caindo no tecido do travesseiro às vezes. A garganta ardia com a dor no coração que o desapontamento causava. Sentia-se envergonhada por admitir a si mesma que estava sendo covarde, sentindo-se submissa. Tentava mesmo assim criar algum tipo de raiva ou ressentimento dele, mas não conseguia. Ao invés disso, tomava todas as causas e consequências de toda aquela briga para si.

Estava mais uma vez, desculpando-se pelo outro. A cada vez que pensava nisso, que no final das contas sua vida continuava a mesma de sempre, o ódio se espalhava em seu peito em forma de uma pressão interna e as lágrimas voltavam a escorrer. Só queria dormir, dormir por dias, esquecer onde estava e o que havia acontecido. Não queria mais se perguntar se foi um engano a longo prazo, mais um engano.

"Não seja melodramática. Vocês sempre encontram um jeito. Já tiveram problemas piores que isso!" uma voz firme mas bondosa ecoava em seus pensamentos a cada vez, mas não era o suficiente. Não conseguia se convencer a ouvir esse pensamento.

Por mais que tenha demorado para conseguir cair no sono, quando conseguiu dormiu tão pesado que a cama já estava vazia quando acordou. Do quarto das crianças vinha apenas o silêncio. Mau sinal: havia dormido poucas horas e já não sentia mais sono algum.

Por mais que o sol estivesse começando a espalhar seus raios pelas frestas da janela fechada, tudo ainda parecia enevoado. Olhou ao redor e para o teto do quarto, a claridade parecia pálida, como se uma sombra filtrasse o brilho da luz.

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora