2.3.7 - ABANDONOS

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"I've long since retired, my son's moved away

I called him up just the other day

I said, I'd like to see you if you don't mind

He said, I'd love to, dad, if I can find the time

You see, my new job's a hassle, and the kids have the flu

But it's sure nice talking to you, dad"

Por um lado, Norman sentia-se grato por estar praticamente esquecido num canto como uma daquelas poltronas detonadas. Por outro, não imaginava que pudessem ser tão parecidos, batiam de frente com os mesmos golpes, mas Ally havia sido atacada em um golpe baixo demais. Ela sentia algo por ele. Havia começado como amor, provavelmente, mas azedara tanto que o amor virou mágoa.

Agora ele percebia que da parte de Saulo, nunca houve sentimento nenhum. Se não, não estaria tão deliciado por vê-la naquele estado.

— Você percebe que tudo sempre começa com "onde você estava"? Onde você estava, pai, quando os amigos do seu filho dormiam em casa e eu acordava com eles mexendo no meu corpo? Onde você estava quando o velhinho da vizinhança me estuprou por um bolo e uma mesa de café da manhã?

— E onde estava a sua mãe? Por que isso é culpa minha?

— Por que ela cuidava de duas crianças! E quer saber o que mais, é tudo culpa sua sim. Quer a lista? Posso contar dos 8 até os 12, foi o velhinho da vizinhança, foi o Fernando, o César e o André, todos amigos do seu filho e com a permissão dele. Foi o bedéu da escola, foi o sobrinho da sua ex-mulher que você mandou pro quintal comigo enquanto comia a sua então namorada. Quer mais, ou já contei o suficiente?

Ally pensava que não iria conseguir falar, um nó na garganta apertava cada vez mais a cada palavra, mas havia conseguido algo inédito: tinha virado o jogo. Nunca havia contado nada daquilo, não por vergonha, mas por medo de magoar o próprio pai. Mas agora ele estava mais pálido do que provavelmente ficou quando atirou contra o próprio peito.

— Sabe, Saulo, eu não sabia nem se queria vir aqui. Eu não sei se tenho todo o tempo do mundo para contar tudo que você fez e nem sequer se vai adiantar. Você sempre inverte tudo para ser a seu respeito e com essa cara de choro eu só tenho mais certeza ainda.

— Quando foi que tudo isso aconteceu?

— Você sabe muito bem, eu contei tudo logo no primeiro mês que vim morar aqui. E o que você fez? Chamou o seu filho para dar uma volta de carro. Mesmo sabendo que quando eu enfrentei ele sobre esses "amigos" ele me espancou. Você sabia de tudo isso, e deu um prêmio ao invés de me defender. Não adianta pensar numa desculpa, Saulo, você sempre esteve cagando pra mim, e eu sei disso. Foi a primeira coisa que percebi assim que descobri que estava prestes a ser mãe.

Ele ainda estava em silêncio, com lágrimas nos olhos e encarando o tampo da mesa como se estivesse levando uma bronca.

— A primeira coisa que eu pensei foi "Eu preciso ficar bem para ser mãe dessa criança. Não desse veneno, esse poço de mentiras e manipulação. Meu filho nunca vai ser exposto a essa gente". Além do mais, eu já não era mais "sua filha" fazia tempo, a partir do momento que eu fechei a carteira, não foi? As pessoas são apenas isso pra você, como se alguém tivesse a obrigação de sustentar você. E aí? Não vai falar nada? Não é você o "paizão"?

O silêncio e a expressão perdida de Saulo não convenciam Ally. Nem mesmo Norman, assistindo a tudo de longe, também não se sentia convencido como alguns momentos antes. Os dois homens, um em cada ponto distinto da sala perderam a respiração em um segundo, enquanto Ally socava a mesa com o punho e se levantou tão furiosa que o banquinho onde estava sentada caiu no chão.

Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.Onde histórias criam vida. Descubra agora