O único compromisso que tinha era deixar Eye na casa do Jeffrey antes que fossem para o aeroporto.
— Fala para aquela chata que eu ainda estou esperando ela ligar...ou pelo menos responder as mensagens…
— Eu vou falar.
— Dá um puxão no cabelo dela para ela aprender…Brincadeira...ela deve estar super atrapalhada lá...tô brincando...mais ou menos.
— Acho que eu entendi, Iza...mas pode deixar que eu vou falar com ela sim. Não custava nada afinal, mandar uma mensagem que fosse, não é?
— Sim..bom, boa viagem… — Iza deu um abraço longo no amigo. — Vocês são a nossa família, Normy...tentem não brigar mais…
— A gente nem tem brigado mais, Iza…
— Eu sei...mas mesmo assim, não custa nada lembrar…
— Se esticarmos mais a viagem, quer que eu traga algo de NY?
— Se você puder só dar uma olhada no meu apartamento...eu mando o endereço. Deixei ele vazio, não sei como está…
— Se formos para lá eu olho sim...
— Babaca, você vai perder o vôo.
Era uma viagem curta, não mais que 40 minutos. Norman e Jeffrey faziam planos para a próxima gravação, dividiam impressões sobre o script e o destino dos personagens. Como sempre teve alguma comoção no aeroporto, mas não era nada que atrasasse para pegar o vôo.
===**===
Pensou que seria estranho depois de todos aqueles anos, estar novamente viajando 12 horas para encontrar Ally.
Em sua mente, imaginava como se fosse uma volta de 360 graus que causaria algum tipo de vertigem. Ao contrário do que pensava, não fez tanta diferença. Era como se fizesse aquilo há anos. Os gestos automáticos, bagagem de mão no compartimento superior, as orientações em caso de emergência das comissárias de bordo, até mesmo uma ou outra pessoa se sentindo tímida demais para pedir uma foto que tirava uma selfie, tentando ser discreto sem ser, do tipo “olha quem está no mesmo avião que eu”, e o seu próprio gesto automático, se oferecendo gentilmente para tirarem a foto juntos.
A noite milhares de pés de altura do solo, entretanto, não trouxe conforto o suficiente para dormir. Mesmo que se considerasse um “especialista em Ally” na maior parte do tempo, naquele momento em específico ela era como uma esfinge. A notícia sobre o pai realmente a havia abalado, mesmo que tentasse transparecer uma raiva orgulhosa, não havia side bem-sucedida em esconder o esforço para fazer a voz passar pelo nó apertado na garganta.
Era essa a vulnerabilidade que ele conhecia. Por mais que Jeffrey insistisse que ele procurava nela uma vulnerabilidade que ela não tinha, Norman sabia (ou ao menos desconfiava o suficiente para estar bem próximo da certeza) que se havia algo que Ally perdia o próprio norte, era quando seu pai aparecia no caminho. Pensava em como era contrastante a Ally com seus textos, com suas traduções, com os desafios contra a própria mente. Era diferente da Ally- mãe, que respirava fundo sempre que estava empacada em uma hora difícil, ensinava a Izzy como segurar um pedaço de fruta com um olho enquanto observava como estava indo a lição de casa do Ian.
Aquela mesma Ally era outra, que conversava com o Mingus sobre cinema, sobre arte, debatia política como se fosse uma candidata, decifrava métricas poéticas e explicava filosofia e história para ele numa conversa totalmente informal com um copo de whisky e alguns cigarros na varanda. Era a mesma que o devorava em acessos de fúria e que o sufocava em abraços e chaves de perna quando apaixonada.
E toda vez que a encontrava, depois de um dia, depois de uma semana, não importa; qual Ally estaria esperando por ele era sempre um enigma. Talvez se tentasse imaginar com qual roupa ela estaria, seria mais fácil acertar, mesmo com um chute totalmente aleatório.
Ao descer do avião para o translado já se sentiu arrependido como antes. Era como se houvesse um forno ligado gigante aberto de frente para a escotilha. Os óculos escuros e o boné não pareciam bastar para o sol da manhã que parecia com o sol do meio dia.
Com o privilégio da área VIP, esperou sentado ali. Olhou no celular, ela já havia lido a mensagem avisando que estava em solo brasileiro. Provavelmente estava a caminho. Teria ela trazido as crianças? Certa vez ela trouxe o Ian, ainda um menininho de colo.
Estava distraído enquanto postava uma foto dos próprios sapatos sobre o carpete azul marinho e em questão de milésimo de segundo, uma sombra apareceu e se espalhou sobre ele quando ela chegou com um passo acelerado, praticamente se jogando sobre ele. A envolveu nos braços, apoiando-a recostada com um beijo demorado. “Maluca...esqueci do maluca” pensou enquanto ria da própria reflexão durante o vôo noturno.
— Veio só você?
— Não está bom assim?
— Está perfeito. — ele sorriu antes de seus lábios tocarem os dela de novo. Em seguida ela abraçou mais apertado, a cabeça encaixada em seu ombro. Ele não deixou de perceber a respiração acelerada em seu seu peito.
— Hey...você está bem? O que foi?
Ela continuou assim por alguns momentos, apenas a respiração forte que ela tentava sem sucesso controlar. Ele a deixou pendurada em seu pescoço como uma criança, enquanto penteava seus cabelos com os dedos.
— Hey...você está bem? — perguntou baixinho, a voz quase rouca. Ela respirou fundo e tentou enxugar os olhos com a mao sem que ele percebesse.
Ele preferiu fingir que não havia percebido.
— Acho que é só saudade… — a voz ainda não parecia encontrar uma passagem para que saísse nítida. — Vamos? Tem de tudo, tem criança esperando, tem sogra ansiosa…
Ela se levantou, puxando-o pela mão como uma criança ansiosa para subir numa montanha russa no parque. Ele jogou a mochila no ombro, arrastando a mala em seguida com a mão livre que restava. Deu um puxão trazendo-a de volta.
— Já estamos indo, mas primeiro eu preciso saber...
— Eu estou bem, Shoo, já falei. Vamos, antes que aqui vire um inferno.
Ele concordou, soltou sua mão e passou o braço por cima de seu ombro, mais perto dele, como se acolhida debaixo de seu braço.
— Achei que você não viria mais… — Cris comentou enquanto o abraçava. — Eu avisei que não aceito devoluções, Norman…
— Pode deixar, vim buscar ela antes que acabe a garantia. — Ele riu enquanto corava como se fosse a primeira vez que entrava naquele apartamento.
— Pai!!! — Ian veio do quarto quase saltitando até que pulou no colo dele com os bracinhos magrelos abertos.
— Meu garoto! Como foi a semana? Se comportou bem?
— Eu fui bonzinho! Mas a Izzy é uma chata! Ela não come nada, sabia? Olha só, eu dei um pouco de banana e ela esmagou tudo e não comeu nada!
A conversa começou assim e se estendeu por, no mínimo meia hora até que ele se lembrasse dos brinquedos espalhados no quarto que Ally estava recolhendo.
— A gente vai na piscina hoje, mãe?
— Acho que podemos...Shoo, você tá em condições, ou quer dormir um pouco?
Ele parou para pensar um pouco enquanto pegava Izzy, que sorria com seus olhinhos de safira combinando com a boquinha e os dois dentinhos inferiores aparecendo.
— Estou um pouco cansado, mas acho que consigo dormir por lá mesmo. Só preciso de…
— Uma hora? Duas?
— Contando a partir de quando eu terminar de apertar essa fofurinha… — Disse enquanto se sentava com a pequena no colo e ela arrancava seus óculos.
Uma hora e meia depois, acordou de uma soneca pesada no sofá. Ally acariciava entre seus olhos com a ponta do dedo, chamando-o com um sussurro. Nem sequer se lembrava de ter adormecido ali. Mas suas roupas já estavam fora da mala, uma bermuda separada e seus óculos escuros sãos e salvos no alto da estante de livros.
Enquanto Ian brincava com a irmãzinha na piscina menor, Ally e Norman estavam sentados na beirada assistindo a interação das crianças.
Por volta de 8 da noite, subiram. Ally queria dar banho nas crianças e tirar o cloro da pele, mas haviam brincado tanto na água que chegaram em casa e caíram em sono profundo. Enquanto Norman estava imobilizado na poltrona com os dois filhos, Ally arrumou a cama para colocá-los. Com cuidado, pegou Ian e o ajeitou na caminha mais baixa e Norman colocou Izzy na cama maior de casal. Por garantia, colocou dois travesseiros grandes ao lado do corpinho da bebê e em seguida acendeu um abajur pequeno na escrivaninha de Ally.
Ficaram ali por alguns minutos, Ally abraçada e a cabeça recostada em seu ombro mais uma vez, observando as crianças dormindo.
— O Ian era desse tamanho quando o conheci…
— Eu estava me lembrando disso…
— Você quer tomar um banho, ou comer alguma coisa?
— Não, está tudo bem...acho que não vai demorar muito até que eu esteja desmaiado como eles…
— Você fica com eles enquanto eu tomo um banho, então?
— Claro...vai lá.
Ela o beijou mais uma vez antes de sair com cuidado do quarto.
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Problemática- (Sometimes) Bad Can Do You Some Good.
ChickLitForam dois anos de esforços, tentado sustentar a relação e finalmente conquistar a confiança de Ally. Mas será que esses esforços bastavam? Com a relação evoluindo ao passo que a carreira de Norman avança, más decisões farão mal a todos. Mas será me...