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— Tudo bem, — ela disse, erguendo a mão para me cortar. — Mas é difícil. Tentei esquecer isso, e é uma coisa que eu nunca contei nem mesmo aos meus pais. Ou a qualquer outra pessoa. É tão clichê, sabe? Garota de cidade pequena vai embora pra faculdade e conhece um veterano, que também é presidente da sua fraternidade. Ele é popular, rico e charmoso, e a pequena caloura está admirada que ele poderia se interessar por alguém como ela. Ele a trata como se ela fosse especial e ela sabe que outras calouras estão com inveja, então ela começa a se sentir especial também. Ela concorda em ir ao baile de inverno em um desses hotéis luxuosos fora da cidade, com ele e alguns outros casais, mesmo que ela tenha sido alertada que o garoto não é tão amável ou sensível como ele parece ser, e que na verdade, ele é o tipo de garoto que faz marcas no beira da cama para cada garota que pegou.

Ela fechou os olhos, como se estivesse reunindo a energia para continuar.

— Ela vai contra o melhor julgamento de seus amigos e mesmo que ela não beba e ele alegremente lhe traga um refrigerante, ela começa a ficar tonta e ele se oferece para levá-la de volta ao quarto do hotel para se deitar. E a próxima coisa que ela sabe é que eles estão na cama se beijando e ela gosta inicialmente, mas o quarto está mesmo girando e não ocorre a ela até mais tarde que alguém, talvez ele tenha colocado alguma coisa em sua bebida e que fazer outra marca com o nome dela tenha sido sua meta todo o tempo.

Suas palavras começaram a vir rápidas, caindo umas sobre as outras.

— E então ele começa a apalpar seus seios e o vestido dela é arrancado e então a calcinha dela é arrancada também, mas ele está em cima dela e ele é tão pesado e ela não consegue empurrá-lo, e ela se sente muito indefesa e quer que ele pare, porque ela nunca fez isso antes, mas então ela está tão tonta que mal consegue falar e não pode pedir ajuda, e ele provavelmente conseguiria o que queria com ela se outro casal não tivesse aparecido e ela sai cambaleando do quarto, chorando e segurando o vestido. De alguma forma ela encontra o caminho para o banheiro do lobby e fica lá chorando, e outras garotas com quem ela tinha viajado para o baile entram e ver o rímel manchado e o vestido rasgado e ao invés de ajudarem, elas riem dela, agindo como se ela devesse saber o que aconteceria e como se ela tivesse tido o que merecia. Finalmente ela termina ligando para uma amiga que pula no seu carro e dirige até lá para pegá-la, e essa amiga foi esperta o suficiente para não fazer perguntas durante todo o caminho de volta.—Quando ela acabou, eu estava rígida de raiva. Eu não sou santa com mulheres, mas nunca na minha vida pensei em forçar uma mulher a fazer algo que ela não queria.

— Sinto muito, — foi tudo que eu consegui juntar.

— Você não precisa sentir. Não foi você que fez.

— Eu sei. Mas não sei o que mais dizer. A menos... — eu parei e depois de um momento ela se virou para mim. Eu podia ver lágrimas correndo por suas bochechas e o fato de que ela estivera chorando tão silenciosamente me fez doer.

— A menos que o que?

— A menos que você queira que eu... não sei. Acabe com ele?

Ela me deu uma pequena risada triste. — Você não tem ideia de quantas vezes eu quis simplesmente fazer isso.

— Eu farei, — eu disse. — Só me dê um nome, mas prometo lhe deixar fora disso. Eu farei o resto.

Ela apertou minha mão. — Eu sei que você faria.

— Estou falando sério, — eu disse.

Ela me deu um sorriso pálido, parecendo ao mesmo tempo experiente e dolorosamente jovem. — É por isso que eu não vou te dizer. Mas acredite, estou tocada. É muito doce da sua parte.

Gostei do jeito que ela disse isso e sentamos juntas, com as mãos abraçadas apertadas. A chuva havia finalmente parado e no seu lugar eu podia ouvir os sons do rádio do vizinho de novo. Eu não conhecia a música, mas reconheci como sendo alguma coisa da antiga era do jazz. Um dos caras no minha unidade era fanático por jazz.

— Mas de qualquer forma, — ela começou, — era isso que eu quis dizer quando disse que meu ano de caloura não foi sempre fácil. E foi por isso que eu quis desistir. Meus pais pensaram que eu estava só com saudade de casa, então eles me fizeram ficar. Mas... mesmo tendo sido ruim, aprendi algo sobre mim mesma. Que eu podia passar por uma coisa assim e sobreviver. Quer dizer, sei que poderia ter sido pior, muito pior mas pra mim, era tudo o que eu podia aguentar na época. E aprendi com isso.

Quando ela terminou, me peguei lembrando uma coisa que ela disse. 

QUERIDA LARY (gilary)Onde histórias criam vida. Descubra agora