— Comparado com o que foi? Sim. Não havia assentos suficientes para todos na igreja, e meu pai fala até hoje que vai passar anos pagando as contas. Ele está só me provocando, é claro. Metade dos convidados eram amigos dos meus pais, mas acho que é isso que acontece quando você se casa em sua cidade natal. Todo mundo, do carteiro ao barbeiro, é convidado.
— Mas você está feliz por estar de volta?
— É confortável aqui. Meus pais estão perto, e preciso disso, especialmente agora.
Ela não entrou em detalhes, deixando o comentário no ar. Eu pensava nisso “e em uma centena de outras coisas” quando me levantei da mesa e coloquei meu prato na pia. Depois de passar uma água no prato, ouvi-a dizer às minhas costas:
— Pode deixar aí. Ainda não tirei a louça da máquina. Vou fazer isso mais tarde. Você quer mais alguma coisa? Minha mãe deixou duas tortas no balcão.
— Que tal um copo de leite? — disse. Quando ela fez menção de se levantar, acrescentei: — Eu posso pegar. Só me diga onde estão os copos.
— No armário da pia.
Peguei um copo do armário e fui até a geladeira. O leite estava na prateleira de cima, e nas prateleiras inferiores havia pelo menos uma dúzia de recipientes tupperware cheios de comida. Enchi o copo e voltei para a mesa.
— O que está acontecendo, Giana?
Após essas palavras, ela virou-se para mim. — O que você quer dizer?
— a pessoa com quem se casou — disse.
— O que, que tem?
— Quando vou conhecer?
Em vez de responder, Giana levantou da mesa levando a taça de vinho.
Despejou o conteúdo na pia e em seguida pegou uma xícara e uma caixa de chá.
— Você já conheceu — disse ela, virando-se. Ela endireitou os ombros. — É a Mari.
Eu ouvia a colher batendo contra a xícara quando Giana sentou novamente à minha frente.
— O quanto você quer saber? — ela murmurou, olhando a xícara de chá.
— Tudo — disse eu. Eu me recostei na cadeira. — Ou nada. Ainda não tenho certeza.
Ela bufou. — Acho que faz sentido.
Eu uni as mãos. — Quando começou?
— Não tenho certeza — ela disse. — Sei que parece loucura, mas não aconteceu como você provavelmente imagina. Não é que uma de nós tenha planejado. —Ela colocou a colher na mesa. — Mas, para dar alguma resposta, acho que começou poucos meses depois do seu realistamento.
Poucos meses depois que eu me realistei, percebi. Seis meses antes do primeiro ataque cardíaco do meu pai e exatamente na época em que notei que as cartas dela começaram a mudar.
— Você sabe que éramos amigas. Mesmo ela estando na pós-graduação, acabamos fazendo algumas aulas no mesmo prédio durante meu último ano na faculdade. No fim das aulas, íamos tomar café ou acabávamos estudando juntas. Não eram encontros, nem ficávamos de mãos dadas. Mari sabia que eu estava apaixonada por você... Mas ela estava presente, sabe? Ela ouvia quando eu falava o quanto sentia sua falta e como a distância era difícil. E foi difícil. Eu achava que você já estaria em casa nessa época.
Quando ela ergueu o olhar, seus olhos estavam cheios do quê? Arrependimento? Não dava para saber.
— De qualquer forma, passamos muito tempo juntas, e ela me consolava sempre que eu estava para baixo. Sempre me lembrava de que você estaria aqui de licença antes do que eu esperava, e você não imagina o quanto eu queria ver você novamente.
Então, sua mãe ficou doente. Sei que você tinha de ficar com ela, eu nunca teria lhe perdoado se você não ficasse ao lado dela, mas não era o que precisávamos. Sei como isso parece egoísta, e me odeio por ter pensado assim. Mas parecia que o destino estava conspirando contra nós.
Ela pôs a colher no chá e mexeu de novo, recolhendo seus pensamentos.
— Naquele outono, após terminar todas as minhas aulas e voltar para casa para trabalhar no centro de aviação de desenvolvimento da cidade, os pais da Mari se envolveram em um acidente horrível. Eles estavam voltando de carro de Asheville, quando perderam a direção e foram parar do outro lado da pista, na contramão da rodovia. Uma carreta acabou batendo neles. O motorista do caminhão não ficou ferido, mas os pais da Mari morreram na batida. Mari teve que abandonar a escola ela estava tentando entrar no doutorado mais teve que largar tudo para voltar e cuidar do Igor. — Ela fez uma pausa. — Foi terrível pra ela. Não só ela tinha de lidar com a perda ela adorava os pais, mas Igor também estava inconsolável. Ele gritava o tempo todo, arrancava os cabelos. A única que conseguia fazer com que ele parasse de se ferir foi a Mari, mas isso drenou toda sua energia. Acho que foi quando comecei a vir para cá. Você sabe, para ajudar.
Quando franzi a testa, ela acrescentou: — Esta era a casa dos pais da Mari. Onde ela e o Igor cresceram.
Tão logo ela disse isso, a lembrança voltou. Claro que era a casa da Mari, uma vez Giana me contou que a Mariana morava no rancho ao lado dos pais dela.
— Acabamos consolando uma a outra. Tentei ajudá-la, ela tentou me ajudar e nós duas tentamos ajudar o Igor. E, pouco a pouco, eu acho, começamos a nos apaixonar.
Pela primeira vez, ela olhou nos meus olhos.______________________
👁️👄👁️