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— Sinto muito — finalmente sussurrei.

Minhas palavras a despertaram.

— Não vou desistir — ela disse, sua voz começando oscilar. — Ela é uma mulher tão boa. Ela é doce, paciente, e eu a amo muito. Não é justo. Não faz dois anos que estamos casadas.

Ela olhou para mim e respirou fundo algumas vezes, tentando recuperar a compostura.

— Ela precisa sair daqui. Deste hospital. A única coisa que eles fazem aqui é o interferon, e, como eu disse, não está funcionando como deveria. Ela precisa ir para algum lugar como o MD Anderson ou Mayo Clinic ou o Johns Hopkins. Há pesquisas de ponta em andamento nesses lugares. Se o inteferon não está funcionando, pode haver outra droga para adicionar eles estão sempre fazendo combinações, mesmo experimentais. Estão fazendo biquimioterapia e testes clínicos. MD Anderson deve começar a testar uma vacina em novembro não para prevenção, como a maioria das vacinas, mas para tratamento e os dados preliminares tem mostrado bons resultados. Eu quero que ela faça parte dessa pesquisa.

— Então vá — eu insisti.

Ela deu uma risada curta. — Não é assim tão fácil.

— Por quê? Parece bastante simples para mim. Assim que ela sair daqui, vocês entram no carro e vão.

— Nosso seguro não pagará por isso — disse ela. — Pelo menos não agora. Ela está recebendo o tratamento padrão. E, acredite se quiser a companhia de seguros tem sido bastante sensível até agora. Eles pagaram todas as internações, todos os interferon, e todos os extras sem problemas. Eles até designaram uma assistente social para mim, e ela é simpática à nossa situação. Mas não há nada que ela possa fazer, pois o médico acha que é melhor darmos o interferon por mais tempo. Nenhuma companhia de seguros do mundo vai pagar por tratamentos experimentais. E nenhuma seguradora aceita pagar tratamentos fora do padrão, especialmente em outros Estados e quando não há certeza de que vão funcionar.

— Processe-os se for preciso.

— Lari, nossa seguradora não pestanejou para pagar todos os custos de UTI e internações extras, e a verdade é que a Mari está recebendo o tratamento adequado. A questão é, não posso provar que Mari  ficará melhor em outro lugar, recebendo tratamentos alternativos. Acho que poderia ajudá-la, tenho esperança de que iria ajudá-la, mas ninguém tem certeza absoluta. — Ela balançou a cabeça, — De qualquer forma, mesmo se eu levar isso à justiça e a companhia de seguros acabar pagando tudo, isso leva tempo... exatamente o que não temos. — Ela suspirou. — Meu ponto em não se trata apenas de dinheiro, é um problema de tempo.

— De quanto você está falando?

— Muito. E se Mariana acabar no hospital com infecção e for para a UTI de novo, não consigo nem imaginar. Mais do que eu jamais vou conseguir pagar, com certeza.

— O que você vai fazer?

— Arrumar dinheiro, — ela disse. — Não tenho escolha. E a comunidade tem ajudado. Tão logo souberam sobre Mariana, fizeram reportagens na televisão local e no jornal, e as pessoas da cidade inteira prometeram começar a recolher dinheiro. Eles abriram uma conta bancária especial e tudo. Meus pais ajudaram. O lugar que nós trabalhamos ajudou. Os pais de algumas crianças com quem trabalhamos ajudaram. Ouvi dizer que ainda tem jarros com doações em muitos estabelecimentos.

Lembrei-me da visão do frasco ao final do balcão no salão de bilhar, no dia em que cheguei a Lenoir. Eu tinha contribuído com dois dólares, mas de repente aquilo me pareceu completamente inadequado.

— Falta muito?

— Não sei. — Ela balançou a cabeça, como se não quisesse pensar a respeito. — Isso começou há pouco tempo, e desde que Mariana está em tratamento, eu fico aqui e no rancho. Mas estamos falando de um monte de dinheiro. — Ela afastou a xícara de chá e abriu um sorriso triste. — Nem sei porque estou contando a você. Quer dizer, não posso garantir que nenhum desses lugares irá ajudá-la. Só sei dizer que, se ela ficar, não vai sobreviver. Isso também pode acontecer nos outros lugares, mas pelo menos há uma chance... e agora, isso é tudo que tenho.

Ela parou, incapaz de continuar, olhar perdido sobre a mesa manchada.

— Você quer saber o que é louco? — ela perguntou afinal. — Você é a única para quem contei tudo isso. Não sei como, sei que é a única pessoa que pode vir a entender o que estou passando, sem eu precisar escolher as palavras. — Ela ergueu a xícara e abaixou-a novamente, — Sei que não é justo, considerando sua mãe...

— Tudo bem — tranquilizei-a.

— Talvez — ela disse. — Mas também é egoísta. Você está tentando lidar com as próprias emoções após perder sua mãe, e aqui estou eu, sobrecarregando você com as minhas, sobre algo que pode ou não acontecer. — Ela se virou para olhar pela janela da lanchonete, mas eu sabia que ela não estava vendo o gramado inclinado do lado de fora.

— Ei — eu disse, pegando a mão dela. — Estou falando sério. Estou contente por você ter me contado, mesmo que seja só para desabafar. Porque você acha que vim aqui? Porque eu precisava encontrar alguém que me ouvisse.

Com o tempo, Giana encolheu os ombros. — Então somos assim, hein? Duas guerreiras feridas à procura de apoio.

— Isso parece muito certo.
Ela levantou os olhos e encarou os meus. — Sorte nossa, — ela sussurrou.

Apesar de tudo, senti meu coração saltar.

— Sim — ecoei. — Sorte nossa.

Passamos a maior parte da tarde no quarto de Mariana. Ela estava dormindo quando chegamos, acordou por alguns minutos e depois dormiu novamente. Igor mantinha vigília no pé da sua cama, ignorando minha presença e concentrado na irmã.

______________

Opa... 😁

QUERIDA LARY (gilary)Onde histórias criam vida. Descubra agora