Além da janela e através das lágrimas nos meus olhos, eu podia ver uma camada de nuvens se espalhar abaixo de mim. Não tinha idéia de onde estávamos. Tudo o que eu sabia era que queria fazer a volta e voltar pra casa, estar no lugar onde eu deveria estar.
Horas depois, naquela primeira noite sozinha de volta na Alemanha, li a carta novamente, revivendo o nosso tempo juntas. Foi fácil; aquelas memórias já tinham começado a me assombrar e algumas vezes pareciam mais reais do que a minha vida como soldada. Eu podia sentir a mão de Giana na minha e a via sacudir a água do mar do seu cabelo. Ri alto ao relembrar minha surpresa quando ela pegou a primeira onda até a praia. Meu tempo com Giana me mudou e as pessoas no meu esquadrão observaram a diferença. Durante as próximas semanas, meu amigo Gaab me atormentou infinitamente, convencido de que ele finalmente tinha se provado certo sobre a importância da companhia feminina. Foi minha culpa por ter contado à ele sobre Giana. Gaab, no entanto, queria saber mais do que eu queria dizer. Enquanto eu lia, ele sentou na cadeira à minha frente, sorrindo como um idiota.
— Me conte de novo sobre o seu romance selvagem das férias, — ele disse.
Me forcei a manter os olhos na página, fazendo o meu melhor para ignorá-lo.
— Giana, certo? Gi-a-na. Droga, eu amo esse nome. Parece tão... delicado, mas eu aposto que ela era uma tigresa na cama, certo?
— Cala a boca, Gaab.
— Não me venha com essa. Não fui eu que ficou cuidando de você todo esse tempo? Lhe dizendo que você tinha que sair? Você finalmente escutou e agora é a hora do pagamento. Quero os detalhes.
— Não é da sua conta.
— Mas você bebeu tequila, certo? Eu te disse que funciona toda vez.
Eu não disse nada. Gaab jogou suas mãos para o alto. — Ah, vai isso você pode me falar, não pode?
— Eu não quero falar sobre isso.
— Porque você está apaixonada? É, foi isso que você disse, mas eu estou começando a pensar que você está inventando tudo isso.
— É isso mesmo. Eu inventei. Acabamos com isso?
Ele balançou a cabeça e se levantou da cadeira. — Você é uma cachorrinha doente de amor.
Eu não disse nada, mas enquanto ele ia embora, eu sabia que ele estava certo. Eu estava louca por Giana. Teria feito qualquer coisa pra estar com ela e pedi transferência para os Estados Unidos.
Meu oficial comandante linha dura apareceu para dar sérias considerações.
Quando ele perguntou o porquê, eu lhe falei sobre minha mãe ao invés de Giana. Ele ouviu por um tempo, depois se encostou na cadeira e disse.
— As probabilidades não são boas ao menos que a saúde da sua mãe seja um problema. — Saindo do seu escritório, eu sabia que não iria a nenhum lugar pelo menos pelos próximos seis meses.
Não me importei em esconder minha decepção e na próxima vez que a lua estava cheia, deixei o quartel e caminhei até um dos gramados que nós usávamos para jogos de futebol. Me deitei de costas e encarei a lua, lembrando de tudo e odiando o fato de que eu estava tão distante.
Desde o começo, as ligações e cartas entre nós eram regulares. Nós também enviávamos e-mails, mas eu logo descobri que Giana preferia escrever e ela queria que eu fizesse o mesmo.
— Eu sei que não é tão rápido quanto e-mail, mas é disso que eu gosto, — ela me escreveu. — Eu gosto da surpresa de achar uma carta na caixa do correio e da antecipação ansiosa que eu sinto quanto me preparo para abri-la. Gosto do fato de que eu posso levá-la comigo para ler no meu tempo livre e que eu posso me encostar numa árvore e sentir a brisa em meu rosto quando vejo suas palavras no papel. Gosto de imaginar como você estava enquanto escrevia: o que você estava usando, as coisas ao seu redor, o modo como você segurava a caneta. Eu sei que é clichê e está provavelmente errado, mas eu continuo pensando em você sentada em uma tenda numa mesa improvisada, com uma lâmpada à óleo queimando ao seu lado enquanto o vento sopra do lado de fora. É muito mais romântico do que ler algo na mesma máquina que você usa para baixar músicas ou fazer uma pesquisa.
Eu sorri com isso. Ela estava, afinal, errada sobre a tenda e a mesa improvisada ou a lâmpada a óleo, mas eu tinha que admitir que era uma visão mais interessante do que a realidade da lâmpada fluorescente e a mesa feita pelo governo dentro do meu quartel de madeira.
Enquanto os dias e semanas passavam, o meu amor por Giana parecia crescer mais e mais. Algumas vezes eu escapava das pessoas para ficar sozinha. Levava a foto de Giana e a segurava perto, estudando cada característica. Era estranho, mas tanto quanto eu a amava e lembrava do nosso tempo juntas, descobri que enquanto o verão se tornava outono e depois mudava para o inverno, eu estava mais e mais agradecida pela fotografia. Sim, me convenci de que podia lembrar dela exatamente, mas quando era honesta comigo mesma, sabia que estava perdendo os detalhes. Ou talvez, me dei conta, eu nunca os tivesse notado. Na foto, por exemplo, descobri que Giana tinha uma pequena pinta abaixo de seu olho esquerdo, algo que eu, de alguma forma, não tinha notado. Ou que, de perto, seu sorriso era ligeiramente torto. Essas eram imperfeições que de alguma forma a fazia perfeita aos meus olhos, mas odiei o fato de que eu tinha que usar a foto para os descobrir.