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Atravessei Burlington, Greensboro e Winston-Salem. Fiz uma única parada para abastecer no inicio do dia, quando comprei uma garrafa de água. Segui direto, só bebericando água, sem estomago para pensar em comer. Deixei a nossa fotografia no assento do carona, e vez ou outra tentava evocar a menina da foto. Por fim, fiz a conversão para o norte, seguindo pela estradinha que corta as montanhas de picos azuis ao sul e ao norte, suaves ondulações na crosta terrestre.

Já era fim de tarde quando estacionei o carro e me registrei em um velho motel de beira de estrada. Meu corpo estava rígido e, após alongar alguns minutos, tomei banho. Coloquei jeans limpos e uma camiseta. Cogitei pegar algo para comer, porem ainda estava sem fome. Com o sol baixo, o ar não tinha o mormaço úmido do litoral, e senti o cheiro das coníferas descendo das montanhas.

Foi ali que Giana nasceu, e de algum modo eu sabia que ela ainda estava lá.

Embora pudesse ter ido à casa dos pais dela perguntar, descartei a ideia, sem saber como eles reagiram à minha presença. Decidi dirigir pelas ruas de Lenoir, passando pelo distrito comercial onde havia uma variada coleção de restaurantes fast-food, mas só desacelerei quando cheguei à parte menos genérica da cidade. Nessa área Lenoir parecia não ter mudado nada turistas e recém-chegados eram bem vindos em visita, mas nunca seriam considerados gente do lugar.

Estacionei em um velho salão de bilhar que me fez lembrar os lugares que frequentava na juventude. Luminosos de neon faziam publicidade da cerveja nas janelas, e o estacionamento estava cheio. Era em um local como aquele que encontraria a resposta de que precisava.

Entrei, musica antiga tocava no ambiente, e rolos de fumaça de cigarro pairavam no ar. Quatro mesas de sinuca estavam agrupadas: todos os jogadores usavam bonés de baseball, e dois evidentemente tinham tabaco de mascar acumulado nas bochechas.

Peixes gigantes empalhados decoravam as paredes, ao lado de memorabilia da NASCAR. Havia fotos tiradas em Talladega, Martinsville, North Wilkesboro e Rockinghan. Embora a minha opinião sobre o esporte não tivesse mudado, tal visão me deixou estranhamente a vontade.

No canto do bar, abaixo do rosto sorridente do falecido Dale Earnhardt, havia uma jarra cheia de dinheiro, pedindo doações para ajudar uma vítima local com câncer. Sentindo um inesperado aperto no peito, contribuí com alguns dólares.

Sentei no bar e puxei conversa com o barman. Ele tinha mais ou menos minha idade e seu sotaque da montanha me lembrou Giana. Depois de vinte minutos de conversa fiada, tirei a foto da Giana da carteira e expliquei que eu era uma amiga da família. Citei os nomes dos pais dela e fiz perguntas demonstrando que eu estivera lá antes.

Ele foi cauteloso, e com razão. Cidades pequenas protegem os seus. Mas acontece que ele passara alguns anos na marinha, e isso ajudou. Após um tempo, ele concordou em falar.
— Sim, eu conheço ela — disse. — Ela mora em Old Mill Road, perto da casa dos pais.

Já passava das oito horas, e o céu estava escurecendo com a chegada da noite. Dez minutos depois, deixei uma gorjeta gorda no balcão e tomei o rumo da saída.

Curiosamente, não passava nada na minha cabeça enquanto dirigia até a região dos cavalos. Pelo menos, era assim que eu me lembrava da área na ultima vez que estive ali. Peguei uma estrada de constante subida, e comecei a reconhecer os pontos de referência da região; sabia que em poucos minutos passaria pela casa dos pais de Giana.

Quando o fiz, inclinei-me, sobre o volante, procurando pela próxima abertura na cerca até virar uma longa estrada de cascalho. Assim que fiz a conversão, notei uma placa pintada a mão indicando um lugar chamado “Hope and Horses”.
O crepitar dos pneus sobre o cascalho era estranhamente reconfortante, e estacionei debaixo de um salgueiro, ao lado de uma pequena caminhonete velha.

Observei a casa. Quadrada, de telhado pontudo, pintada de branco e com uma chaminé que subia em direção ao céu, a casa parecia erguer-se da terra como uma imagem fantasmagórica de centenas de anos. Uma única lâmpada brilhava em cima da antiga porta de entrada, e um pequeno vaso de planta estava pendurado perto da bandeira americana, ambos balançando suavemente com a brisa. Do lado da casa havia um velho celeiro e um pequeno curral; para além uma pastagem verde esmeralda delimitada por uma cerca branca, que se estendia até uma fileira de maciços carvalhos. Havia outra construção semelhante a uma cabana perto do celeiro, e nas sombras eu avistava os contornos de equipamentos agrícolas. Questionei novamente o que estava fazendo aqui.

Não era tarde de mais para ir embora, mas não conseguia me obrigar a manobrar o carro. O céu ardia em vermelho e amarelo antes de o sol mergulhar para além do horizonte, lançando as montanhas na escuridão total. Saí do carro e comecei a me aproximar da casa. O orvalho na grama umedeceu as pontas dos meus sapatos, e senti o cheiro das coníferas mais uma vez. Ouvi o chilreio dos grilos e o canto constante de um rouxinol. Os sons davam-me força enquanto eu me aproximava do alpendre.

Tentei descobrir o que diria se Giana atendesse a porta. Ou o que eu diria se “ele” ou “ela” atendesse.
Enquanto tentava decidir o que fazer, um retriever abanando a cauda se aproximou de mim.
Estendi a mão, e ele me deu uma lambida amigável antes de fazer a volta e descer as escadas. Sua calda continuava abanando enquanto ele rodeava a casa. Ouvindo o mesmo chamado que me trouxera para Lenoir, deixei o alpendre e o segui. Ele mergulhou, arrastando a barriga no chão e rastejando por debaixo do último obstáculo da cerca, e então entrou no celeiro.

Assim que o cão desapareceu, vi Giana surgir do celeiro carregando retângulos de feno sob os braços. Os cavalos do pasto começaram a galopar naquela direção, enquanto ela distribuía o feno em vários comedouros. Eu continuava a avançar.
Ela estava sacudindo o feno da roupa e se preparando para voltar ao celeiro quando, inadvertidamente, olhou na minha direção. Ela deu um passo, olhou novamente e congelou no lugar.

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QUERIDA LARY (gilary)Onde histórias criam vida. Descubra agora