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Mas a doença da minha mãe continuou a se agravar nas semanas seguintes, e pelo telefone percebia um cansaço que parecia aumentar cada vez que falava com ela.
Pela segunda vez na vida, pedi uma transferência para casa. Meu comandante foi mais simpático do que antes. Nós chegamos a procurar eu até preenchi os documentos para ser enviada a Fort Bragg para treinamento aéreo, mas quando conversei novamente com o médico, fui informada que minha proximidade não ajudaria muito minha mãe e que eu deveria considerar a hipótese de interná-la em uma clínica. Minha mãe precisava de mais cuidados do que poderia receber em casa, ele me assegurou. Ele estava tentando convencê-la havia algum tempo, mas ela se recusava até eu voltar de licença. Por alguma razão, o medico explicou, minha mãe estava determinada a me receber em sua casa uma ultima vez.
Essa constatação foi esmagadora e, no taxi do aeroporto, tentei me convencer de que o médico estava exagerando. Mas não estava. Minha mãe não conseguiu levantar do sofá quando abri a porta, e fiquei perplexa ao perceber que ela parecia ter envelhecido trinta anos durante o ano que ficamos sem nos ver. Sua pele estava acinzentada, e fiquei chocada com o quanto ela emagreceu. Com um nó na garganta, coloquei a mala para dentro.

— Oi mamãe—, disse.

De inicio, não tive certeza de que ela me reconheceu, mas por fim ouvi um sussurro áspero. — Oi Lary.

Fui até o sofá e sentei-me ao lado dela. — Você esta bem?

— Bem —, foi tudo o que ela disse, e ficamos um longo tempo assim, em silêncio.

Finalmente levantei-me para inspecionar a cozinha, mas me assustei com o que vi. Havia latas de sopa vazias empilhadas por todos os lados, manchas no fogão e pratos embolorados amontoados na pia. O lixo estava superlotado. Obviamente a casa não era limpa há dias. Pilhas de correspondência fechadas inundavam a pequena mesa da cozinha. Meu primeiro impulso foi sair imediatamente para confrontar a vizinha que prometeu cuidar dela. Mas isso teria que esperar.
Primeiro, achei uma lata de sopa de frango e macarrão e esquentei-a no fogão imundo. Enchi uma tigela e levei para minha mãe em uma bandeja. Ela sorriu fracamente, e notei sua gratidão. Ela comeu tudo, raspando o prato. Enchi outra tigela, cada vez mais irritada, imaginado a quanto tempo ela estava sem comer. Quando ela terminou o segundo prato, ajudei a deitar novamente no sofá, onde ela adormeceu em poucos minutos.
A vizinha não estava, então passei a maior parte da tarde limpando a casa, começando pela cozinha e o banheiro. Fui trocar os lençóis da cama e descobri que estavam sujos. Fechei os olhos abafando a vontade de torcer o pescoço da vizinha.
Quando a casa ficou razoavelmente limpa, sentei-me na sala de estar observando minha mãe dormir. Ela aprecia tão pequena debaixo do cobertor, e quando comecei acariciar seus cabelos, alguns fios saíram na minha mão. Comecei a chorar, com a certeza de que minha mãe estava morrendo. Foi a primeira vez que chorei naquele ano, e a única vez na minha vida que chorei por minha mãe, mas por muito tempo as lágrimas não cessariam.
Sabia que ela era uma mulher boa, uma mulher amável, e apesar da vida difícil que levara, havia dado o seu melhor para me criar. Nunca levantou a mão com raiva, e comecei a me atormentar pensando em todos os anos que havia desperdiçado culpando-a. Lembrei-me de minhas duas ultimas visitas, e doeu pensar que nunca mais dividiríamos momentos como aqueles.
Mais tarde, carreguei minha mãe até a cama. Ela estava leve, muito leve. Ajeitei os cobertores sobre ela e fiz minha cama no chão ao lado, ouvindo sua dificuldade para respirar e seus chiados. Ela acordou com tosse no meio da noite e não conseguia parar de tossir. Quando estava pronta para levá-la ao hospital, a tosse finalmente cedeu.
Ela ficou aterrorizada quando percebeu aonde eu pretendia levá-la.

—Ficar... aqui —, confessou, com a voz fraca. — Não quero ir.

Eu estava dividida, mas ao final decidi não levá-la. Para uma mulher de rotina, percebi, o hospital não era apenas um lugar estranho, era também uma zona perigosa de demandava mais energia do que ela dispunha. Foi então que percebi que ela novamente havia sujado os lençóis.
Quando a vizinha apareceu no dia seguinte, suas primeiras palavras foram um pedido de desculpas. Ela explicou q não limpava a cozinha havia vários dias porque uma de suas filhas ficou doente, mas trocou os lençóis diariamente e se certificou que havia várias latas de sopa. Frente a frente com ela na varanda, notei a exaustão em seu rosto, e todas as palavras de reprovação que estavam na minha garganta desapareceram.
Disse que estava muito grata por tudo que ela fez, mais do que podia expressar.
Eu sorri. Incentivada, ela prosseguiu.

— Mas preciso dizer que não é sempre que ela me deixa entrar. Ela disse que não gosta de onde coloco as coisas. Ou do jeito que limpo. E de ter mudado uma pilha de papéis de lugar em cima da mesa dela. Normalmente eu ignoro, mas as vezes, quando ela esta se sentindo bem, é bastante inflexível sobre não me deixar entrar, e até ameaçou chamar a policia quando tentei passar. Eu não...

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Voltei...
Boa noite
Como cês tão???

QUERIDA LARY (gilary)Onde histórias criam vida. Descubra agora