— O que você quer que eu diga?
Giana virou-se e foi em direção à porta da cozinha. — Que também está feliz por ter vindo — disse com a voz quase inaudível.
Com isso, ela saiu. Não ouvi a porta da frente se abrir, então deduzi que ela estivesse na sala.
O comentário me incomodara, mas não estava disposta a ir atrás dela. As coisas tinham mudado entre nos, e não havia modo de voltarem a ser como antes. Comi mais uma garfada de lasanha em teimosa desobediência, perguntando o que ela queria de mim. Foi ela quem mandou a carta, foi ela quem terminou tudo. Foi ela quem se casou. Iríamos fingir que nada daquilo havia acontecido?
Terminei de comer, levei os dois pratos para a pia e os lavei. Pela janela salpicada de chuva, vi meu carro e pensei que devia simplesmente sair sem olhar para trás. Seria mais fácil para nós duas assim. Mas quando vasculhava os bolsos em busca das chaves, congelei. Em meio ao tamborilar da chuva no telhado, ouvi um som proveniente da sala de estar, um som que desarmou minha raiva e confusão. Giana, me dei conta, estava chorando.
Tentei ignorar o som, mas não consegui. Peguei o vinho e entrei na sala.
Giana estava sentada no sofá, o copo de vinho em suas mãos. Ela levantou o rosto quando entrei.Lá fora, o vento aumentara, e a chuva caia ainda mais forte. Para além da janela da sala, um relâmpago brilhou, seguido pelo estrondo do trovão, longo e grave.
Sentei ao lado dela, coloquei meu copo na mesa de centro e olhei ao redor. Em cima da lareira havia fotografias de Giana e Mariana no dia do casamento: uma onde elas cortavam o bolo, e outra na igreja. Ela estava radiante. Desejei que fosse eu ao seu lado no retrato.
— Desculpe — disse ela. — Sei que não devia estar chorando, mas não posso evitar.
— É compreensível — murmurei. — Tem muita coisa acontecendo com você.
No silencio, ouvi as rajadas de chuva batendo contra as vidraças.
— Que tempestade — observei, agarrando-me às palavras para preencher o silêncio tenso.— Sim — ela disse, mal ouvindo.
— Você acha que o Igor vai ficar bem?
Ela bateu os dedos contra o vidro. — Ele não sai ate parar de chover. Ele não gosta de relâmpagos. Mas não deve durar muito. O vento vai empurrar a tempestade para a costa. Pelo menos, é assim que tem sido ultimamente. — Ela hesitou. — Você se lembra da tempestade que enfrentamos? Quando levei você para a casa que estávamos construindo?
— Claro.
— Ainda penso naquela noite. Foi a primeira vez que disse que te amava. Eu estava me lembrando daquela noite outro dia. Estava sentada aqui como agora. Mariana estava no hospital, Igor ficou com ela e, enquanto olhava a chuva, tudo voltou. A memória era tão viva, parecia que tinha acabado de acontecer. E então a chuva parou e sabia que era hora de alimentar os cavalos. Voltei à minha vida normal de novo, e de repente foi como se eu tivesse apenas imaginado tudo. Como se tivesse acontecido com outra pessoa, alguém que nem conheço mais.
Ela se inclinou para mim. — O que você mais se lembra? — ela perguntou.— De tudo — disse eu.
Ela olhou para mim sob seus cílios. — Nada se destaca?
A tempestade lá fora tornou a sala escura e íntima, e senti um arrepio de ansiedade e culpa sobre aonde aquilo iria parar. Eu a desejava mais do que já desejei qualquer pessoa, mas no fundo compreendia que Giana não era mais minha. Senti a presença da Mariana por todos os lados e sabia que Giana estava fora de si.
Tomei um gole de vinho, em seguida devolvi o copo à mesa.— Não. — Mantive a voz firme. — Nada se destaca. Mas foi por isso que você quis que eu sempre olhasse para a lua, certo? Para me lembrar de tudo.
Mas não disse que ainda saía para olhar a lua. Apesar da culpa que sentia por estar ali, me perguntava se ela também havia saído.
— Quer saber do que eu mais me lembro? — ela perguntou.
— Quando quebrei o nariz da Mariana?
— Não. — Ela riu, depois ficou séria. — Da vez que fomos à igreja. Você se deu conta que foi a única vez que vi você usando roupa social? Você devia se arrumar com mais frequência. Ficou muito bonita.
Ela refletiu um pouco antes de olhar para mim novamente.
— Você está saindo com alguém? — perguntou.— Não.
Ela assentiu. — Foi o que imaginei. Senão você teria mencionado algo.
Ela virou-se para a janela. À distância, via-se um dos cavalos a galope na chuva.
— Eu vou ter que alimentá-los daqui a pouco. Tenho certeza que eles já estão querendo saber onde estou.
— Eles vão ficar bem — assegurei.
— Fácil para você dizer. Confie em mim, eles podem ficar tão esquisitos quanto pessoas quando estão com fome.
— Deve ser difícil cuidar de tudo sozinha.
— É. Mas que escolha eu tenho? Pelo menos o nosso patrão foi compreensivo. Mariana está afastada e quando ela está no hospital, eles me deixar ficar fora o tempo que for preciso.
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