Depois de algumas horas, contudo forcei a sensação a ir embora e passei o resto da tarde absorvendo o seu conteúdo e revivendo memórias da minha mãe.
Mariana estava certa. Não havia nenhum diagnóstico bem definido, nenhuma regra clara e não havia como eu saber ao certo. Algumas pessoas com Asperger tinham QIs baixos, enquanto outras, até pessoas com um autismo mais intenso como o personagem de Dustin Hoffman em Rain Man eram considerados gênios em assuntos específicos. Alguns podiam funcionar tão bem em sociedade que ninguém nem mesmo sabia; outros tinham que ser internados. Li perfis de pessoas com Asperger que eram prodígios em música ou matemática, mas eu aprendi que eles eram tão raros como prodígios entre a população geral. Mas, mais importante, eu aprendi que quando minha mãe era jovem, haviam poucos médicos que entendiam as características ou os sintomas e que se algo tivesse dado errado, seus pais podiam nunca ter sabido. Crianças com Asperger ou autismo era geralmente tidas como retardadas ou tímidas, e se eles não fossem internados, os pais se confortavam com a esperança de que algum dia seus filhos iriam sair dessa situação. A diferença entre autismo e Asperger podia algumas vezes ser resumida pelo seguinte: Uma pessoa com autismo vive em seu próprio mundo, enquanto uma pessoa com Asperger vive em nosso mundo de uma maneira que ela própria escolhe.
Por esse padrão, poderia ser dito que a maioria das pessoas tem Asperger. Mas havia algumas indicações de que Giana estava certa sobre minha mãe. Suas rotinas imutáveis, sua estranheza social, sua falta de interesse em assuntos que não fossem moedas, seu desejo de estar sozinha tudo parecia caprichos que qualquer um poderia ter, mas com minha mãe era diferente. Enquanto outros poderiam livremente fazer estas mesmas escolhas, minha mãe como algumas pessoas com Asperger parecia ter sido forçada a viver uma vida com essas escolhas já predeterminadas. No mínimo, eu aprendi que isso pode explicar o comportamento da minha mãe, e sendo assim, não era que ela não queria mudar, mas que ela não podia. Mesmo com toda a incerteza implicada, achei a descoberta confortante. E, me dei conta, explicava duas questões que sempre tinha me atormentado a respeito do meu pai: O que ele tinha visto nela? E por que ele foi embora?
Eu sabia que nunca saberia e não tinha intenção de ir mais longe.
Mas com uma imaginação saltitante em uma casa silenciosa, eu podia imaginar uma mulher quieta que começou uma conversa sobre sua coleção rara de moedas com um pobre jovem garçom em uma lanchonete, um homem que passava suas noites deitado na cama e sonhando com uma vida melhor. Talvez ele tenha flertado, talvez não, mas ela estava atraída por ele e continuou a aparecer na lanchonete.
Com o tempo, ele deve ter sentido a bondade e paciência nela, que ela usaria mais tarde ao me criar.
Pode ser possível que ele tenha interpretado sua natureza quieta precisamente também e sabia que ela demorava para se enraivecer e nunca era violenta.
Mesmo sem amor, deve ter sido o bastante, então ele concordou em casar com ela, pensando que eles venderiam as moedas e viveriam, se não felizes para sempre, pelo menos confortáveis para sempre. Ela engravidou e mais tarde, quando aprendeu que ela não poderia nem mesmo entender a idéia de vender as moedas, ele se deu conta de que tinha ficado preso a uma mulher que mostrava pequeno interesse por qualquer coisa que ele fizesse. Talvez a sua solidão sugou o melhor dele, ou talvez ele fosse só egoísta, mas de qualquer forma ele queria sair, e depois que a bebê nasceu, ele abraçou a primeira oportunidade de ir embora.
Ou, eu pensei, talvez não.
Eu duvidava de que algum dia fosse saber a verdade, mas eu realmente não me importava. Eu me importava, no entanto, com a minha mãe e se ela estava angustiada com algumas redes defeituosas em seu cérebro, subitamente entendi que ela de alguma forma tinha formado uma lista de regras para a vida, regras que a haviam ajudado a se encaixar no mundo. Talvez eles não fossem muito normais, mas ela tinha, todavia, encontrado um modo de me ajudar a me tornar a mulher que eu era. E para mim, isso era mais do que suficiente.
Ela era minha mãe e fez o que pôde. Eu sabia disso agora. E quando finalmente fechei o livro e o coloquei de lado, me encontrei encarando a janela, pensando em como eu estava orgulhosa dela enquanto tentava engolir o nó na minha garganta.
Quando ela voltou do trabalho, trocou de roupa e foi para a cozinha começar o espaguete. A analisei enquanto ela se movimentava, sabendo que estava fazendo exatamente o que me fez ficar com raiva de Giana quando ela também fez. É estranho como conhecimento muda a percepção.
Notei a precisão de seus movimentos o modo como ela habilmente abriu a caixa de espaguete antes de colocá-la de lado e o modo como ela trabalhava com a espátula em ângulos cuidadosamente certos enquanto assava a carne. Eu sabia que ela adicionaria sal e pimenta, e um momento depois, ela o fez. Eu sabia que ela abriria a lata de molho de tomate logo depois, e novamente, eu não estava errada. Como sempre, ela não perguntou sobre o meu dia, preferindo trabalhar em silêncio. Ontem eu atribuiria isso ao fato de sermos estranhas uma a outra; hoje eu entendia que havia uma possibilidade de que nós sempre seríamos. Mas pela primeira vez na minha vida, isso não me incomodou.