Como o advogado disse tudo tinha sido arrumado. Minha mãe tinha escolhido o tipo de sepultura que ela queria, arrumado suas roupas e tinha até comprado o próprio caixão.
Conhecendo ela, acho que deveria ter esperado, mas isso só reforçou minha crença de que eu nunca tinha realmente entendido ela.
O funeral, em um dia quente e chuvoso de agosto, foi esparsamente presenciado. Dois colegas de trabalho, a diretora do asilo, o advogado e a vizinha que ajudou a cuidar dela foram os únicos ao meu lado no enterro. Partiu meu coração o partiu em um milhão de pedaços que em todo o mundo, apenas essas pessoas haviam visto o valor da minha mãe. Depois que o pastor terminou as orações, ele sussurrou pra mim para ver se eu queria adicionar alguma coisa. Nessa hora, minha garganta estava muito apertada e me custou tudo que eu tinha para simplesmente sacudir a cabeça e negar.
De volta em casa, sentei cautelosa na beira da cama da minha mãe. A essa altura a chuva havia parado e os raios de sol cinza pendiam através da janela. A casa tinha um odor mofado, mas eu ainda podia sentir o cheiro da minha mãe em seu travesseiro. Ao meu lado estava o envelope que o advogado tinha trazido. Tirei o seu conteúdo de dentro. O testamento estava em cima, como outros documentos. Entre eles, contudo, estava a fotografia emoldurada que minha mãe havia removido de sua mesa há muito tempo atrás, a única foto existente de nós duas. Levei-a até meu rosto e a encarei até que as lágrimas encheram meus olhos.
Mais tarde naquela tarde, Feer, minha antiga ex, chegou. Quando ela estava na minha porta, eu não sabia o que dizer. A mulher estonteante dos meus anos selvagens tinha sumido; em seu lugar estava uma mulher vestindo um caro terno preto e uma blusa de seda.
— Sinto muito, Lary, — ela murmurou vindo em minha direção. Nos abraçamos, apertando uma a outra e a sensação do seu corpo contra o meu foi como um copo de água gelada em um dia de verão. Ela estava com o mais suave cheiro de perfume, um que eu não podia adivinhar, mas me fazia pensar em Paris, mesmo que eu nunca tivesse ido lá.
— Acabei de ler o obituário, — ela disse depois de me soltar. — Me desculpe não poder ter ido ao funeral.
— Tudo bem, — eu disse. Indiquei o sofá. — Quer entrar?
Ela sentou ao meu lado e quando vi que ela não estava usando sua aliança, ela inconscientemente moveu a mão.
— Não deu certo, — ela disse. — Me divorciei no ano passado.
— Sinto muito.
— Eu também, — ela disse, pegando minha mão. — Você está bem?
— Sim, — eu menti. — Estou bem.
Conversamos um pouco sobre o tempo que passou; ela não acreditava na minha afirmação de que sua última ligação tinha me feito entrar no exército. Contei a ela que foi exatamente o que eu precisei no momento. Ela falou de sua profissão ela ajudava a criar e montar espaços de varejo em lojas de departamento e perguntou como era o Iraque. Contei a ela sobre a areia. Ela riu e não perguntou mais sobre isso. Algum tempo depois, nossa conversa diminuiu para um gotejar enquanto nos dávamos conta do quanto nós duas tínhamos mudado. Talvez fosse porque nós já tínhamos sido íntimas, ou talvez porque ela fosse uma mulher, mas eu podia senti-la me examinando e já sabia qual seria sua próxima pergunta.
— Você está apaixonada, não está? — ela murmurou.
Cruzei minhas mãos no meu colo e olhei a janela. Lá fora o céu estava novamente escuro e nublado, prevendo ainda mais chuva. — Sim, — admiti.
— Qual o nome dela?
— Giana, — eu disse.
— Ela está aqui?
Eu hesitei. — Não.
— Quer falar sobre isso?
Não, eu queria dizer. Não quero falar sobre isso. Aprendi no exército que histórias como a nossa eram entediantes e previsíveis, e embora todos perguntassem, ninguém realmente as queria ouvir. Mas contei a ela a história do começo ao fim, com mais detalhes do que deveria, e mais de uma vez ela pegou minha mão. Eu não tinha me dado conta o quanto era difícil manter isso dentro de mim e na hora que parei, acho que ela sabia que eu precisava ficar sozinha.
Ela beijou minha bochecha enquanto saía, e quando já tinha ido, andei pela casa por horas. Passei de cômodo a cômodo, pensando na minha mãe e pensando em Giana, me sentindo como uma estrangeira e gradualmente me dando conta que havia mais um lugar que pra onde eu tinha que ir.
Naquela noite, dormi na cama da minha mãe, a única vez que fiz isso na vida. A tempestade passou, e a temperatura subiu a níveis absurdos. Abrir as janelas não foi suficiente para refrescar, e rolei na cama durante horas. Quando me arrastei para fora da cama na manha seguinte, encontrei as chaves do carro da minha mãe penduradas em um gancho na cozinha. Joguei minhas malas na traseira e peguei algumas coisas da casa que queria guardar. Pouca coisa além da fotografia. Depois liguei para o advogado e aceitei a oferta de encontrar alguém que desse um fim no resto das coisas e também de vender a casa. Joguei a chave na caixa do correio.
Na garagem o motor levou alguns segundos para pegar. Tirei o carro e tranquei a porta da garagem. Do quintal, olhei a casa, pensando em minha mãe e sabendo que nunca mais veria aquele lugar.
Dirigi até a clínica, peguei os pertences da minha mãe e então saí de Wilmington pela interestadual em direção ao oeste, no piloto automático. Havia anos que eu não passava naquele trecho da estrada, e tinha apenas vaga ideia do trânsito, mas a sensação de familiaridade voltou em ondas. Passei pelas cidades de minha juventude e atravessei Raleigh em direção a Chapel Hill. Onde as memórias voltaram com dolorosa intensidade. Pisei no acelerador, tentando deixá-las para trás.