— Então... — eu respondi quando ela permaneceu em silêncio.
Ela deu outro longo suspiro. — Está ficando tarde. E eu tenho aula cedo amanhã.
Assenti. — Você deveria ir dormir.
— É, — ela disse. Assentiu como se não tivesse considerado isso e se virou para a janela. Pelas persianas eu podia ver raios de luz jorrando do estacionamento. Ela ficava fofa quando estava nervosa.
— Então... — ela disse novamente, como se falasse com a parede.
Levantei minhas mãos. — Por que eu não durmo no sofá?
— Você não se importa?
— Nem um pouco, — eu disse. Na verdade, não era o que eu preferia, mas eu entendi.
Ainda olhando pela janela, ela não se moveu para levantar.
— Eu só não estou pronta, — ela disse, sua voz suave. — Quer dizer, eu pensei que estava e uma parte de mim realmente quer isso. Tenho pensado sobre isso pelas últimas semanas e me decidi, e parecia certo, sabe? Eu te amo e você me ama, e é isso que as pessoas fazem quando estão apaixonadas. Era fácil dizer isso a mim mesma quando você não estava aqui, mas agora... — ela parou de falar.
— Tudo bem, — eu disse.
Finalmente ela se virou pra mim. — Você estava com medo? Na sua primeira vez?
Me perguntei qual a melhor maneira de responder isso. —Acho que estava não sei ao certo, — eu disse.— Entendi. — Ela fingiu ajeitar os cobertores. — Você está com raiva?
— Nem um pouco.
— Mas está decepcionada.
— Bem... — eu admiti e ela riu.
— Desculpe, — ela disse.
— Não há razão para se desculpar.
Ela pensou nisso. — Então por que eu sinto como se tivesse que me desculpar?
— Bem, eu sou uma soldada solitária, — afirmei e ela riu novamente. Eu ainda podia ouvir o nervosismo nela.
— O sofá não é muito confortável, — ela se preocupou. — E é pequeno. Você não vai poder se esticar. E eu não tenho cobertores extras. Eu devia ter trazido alguns de casa, mas esqueci.
— Isso é um problema.
— É, — ela disse. Eu esperei.
— Acho que você poderia dormir comigo, — ela arriscou.
Esperei um momento que ela continuasse seu próprio debate interno.
Finalmente ela deu de ombros. — Quer tentar? Só dormir, eu quero dizer?
— O que você quiser.
Pela primeira vez, seus ombros relaxaram. — Certo, então. Decidimos. Só me dê um minuto para me trocar.
Ela se levantou da cama, cruzou o quarto e abriu uma gaveta. O pijama que ela escolheu era parecido com o que ela tinha escolhido na casa dos pais e eu a deixei para voltar à sala, onde eu vesti um dos meus shorts de malhar e uma camisa. Quando retornei, ela já estava embaixo dos cobertores. Fui para o outro lado e me arrastei para o seu lado. Ela ajeitou os cobertores antes de desligar a luz, depois deitou de volta, encarando o teto.
Deitei de lado, a olhando. — Boa noite, — ela murmurou.
— Boa noite.
Eu sabia que não dormiria. Não por um tempo de qualquer forma. Eu estava muito... Inquieta pra isso. Mas eu não queria ficar me remexendo, ela poderia perceber.
— Ei, — ela finalmente sussurrou de novo.
— Sim?
Ela se virou para me encarar. — Eu só quero que você saiba que essa é a primeira vez que eu durmo com alguém. A noite toda, eu quero dizer. É um passo adiante, certo?
— É, — eu disse. — É um passo adiante.
Ela acariciou meu braço. — E agora se alguém perguntar, você vai poder dizer que nós dormimos juntas.
— Verdade, — eu disse.
— Mas você não vai dizer a ninguém, vai? Quer dizer, eu não quero ficar com uma reputação, você sabe.
Eu sufoquei uma risada. — Vai ser nosso segredinho.
Os próximos dias caíram para um padrão relaxado e fácil. Giana tinha aulas pela manhã e geralmente acabava um pouco antes do almoço. Teoricamente, acho que me deu a oportunidade de dormir até tarde algo que todo soldado sonha quando falam em sair de licença, mas anos de acordar antes do amanhecer era um hábito impossível de quebrar. Ao invés disso, eu acordava antes dela e fazia um bule de café antes de ir até à esquina pegar o jornal. Ocasionalmente, comprava alguns bagels ou croissants; outras vezes, nós simplesmente comíamos cereal em casa, e era fácil visualizar a nossa pequena rotina como uma prévia dos primeiros anos da nossa futura vida juntas, Um êxtase sem esforço que era quase bom demais pra ser verdade.
Ou, pelo menos, eu tentei me convencer disso. Quando ficamos com seus pais, Giana era exatamente a garota de quem eu lembrava. A mesma coisa na nossa primeira noite sozinhas. Mas depois disso... Comecei a notar diferenças. Acho que eu não tinha me dado conta de que ela estava vivendo uma vida que parecia completa e realizada, mesmo sem mim. O calendário que ela mantinha na porta da geladeira listava algo para fazer todo dia: shows, palestras, meia dúzia de festas de vários amigos. Mari, eu notei, estava marcado para o almoço ocasional também. Giana estava pagando quatro cadeiras e ensinava outra como monitora e nas tardes de quinta, ela trabalhava com um professor no estudo de um caso que ela tinha certeza que seria publicado. Sua vida era exatamente do modo como ela descreveu nas cartas e quando retornava ao apartamento, ela me contava sobre o seu dia enquanto fazia algo para comer na cozinha. Ela amava o trabalho que estava fazendo e o orgulho no seu tom era evidente. Falava animadamente enquanto eu escutava e fazia perguntas suficientes para manter o fluxo da conversa.
Nada anormal nisso, eu admiti. Eu sabia o bastante para me dar conta de que seria um problema maior se ela não dissesse nada sobre o seu dia. Mas a cada nova história eu tinha essa sensação agonizante que me fazia pensar que não importava que nós mantivéssemos contato, não importava que nos importássemos uma com a outra, ela e eu tomamos caminhos contrários. Desde a última vez que eu a tinha visto, ela havia completado sua graduação, lançado seu chapéu de formanda no ar, encontrado trabalho como assistente graduada, se mudado e mobiliado seu próprio apartamento. Sua vida havia entrado em uma nova fase, e enquanto eu achava possível dizer a mesma coisa sobre mim, um fato simples era que nada tinha mudado muito na minha vida, a menos que você conte o fato que agora eu sei como montar e desmontar oito tipos de armas ao invés de seis e aumentei meu levantamento de peso em mais 13 quilos. E, é claro, eu havia feito minha parte dando aos russos algo para pensar se eles estivessem debatendo se deveriam ou não invadir a Alemanha com dúzias de divisões mecanizadas.