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As sombras ficaram maiores quando o sol começou a abaixar, mas eu ainda não estava pronta para voltar. Ao invés disso, comprei alguns pedaços de pizza e uma cerveja de uma daquelas barracas que dependiam dos estudantes para sobreviver.

Acabei de comer, caminhei mais um pouco e finalmente comecei o caminho de volta pra o apartamento dela. A essa altura eram quase nove e a montanha-russa emocional na qual eu estivera me deixou acabada.

Aproximando-me da rua, notei que o carro de Giana estava no mesmo lugar. Podia ver uma lâmpada ardendo dentro do quarto. O resto do apartamento estava escuro.

Me perguntei se a porta estaria trancada, mas o trinco virou livremente quando eu tentei. A porta do quarto estava entreaberta, a luz escorria no corredor e eu debati se deveria me aproximar ou ficar na sala. Eu não queria encarar sua raiva, mas dei um longo suspiro e caminhei até o curto corredor. Enfiei minha cabeça pela porta.

Ela estava sentada na cama vestindo uma camisa muito maior que ela. Ela desviou o olhar da revista que segurava e eu ofereci um sorriso cauteloso.

— Oi, — eu disse.

— Oi.

— Desculpe, — eu disse. — Por tudo. Você estava certa. Fui uma idiota noite passada e não deveria ter envergonhado você na frente de seus amigos. E não deveria ter ficado tão zangada por que você estava atrasada. Não acontecerá novamente.

Ela me surpreendeu dando tapinhas no colchão. — Vem aqui, — ela sussurrou.

Subi pela cama, encostei-me ao espelho da cama e deslizei meu braço em volta dela. Ela se inclinou contra mim e eu podia sentir o firme subir e descer de seu peito.

— Eu não quero mais brigar, — ela disse.

— Eu também não.

Quando fiz carinho no seu braço, ela suspirou. — Onde você foi?

— Lugar nenhum, na verdade, — eu disse.
— Só andei pelo campus. Comi pizza. Pensei muito.

— Sobre mim?

— Sobre você. Sobre mim. Sobre nós.

Ela assentiu. — Eu também, — ela disse. — Você ainda está com raiva?

— Não, — eu disse. — Eu estava, mas estou muito cansada pra ainda estar com raiva.

— Eu também, — ela repetiu. Levantou a cabeça para me encarar. — Quero lhe contar uma coisa sobre o que eu estava pensando quando você não estava aqui, — ela disse. — Posso fazer isso?

— Claro, — eu disse.

— Me dei conta de que sou eu quem deveria estar se desculpando. Sobre passar muito tempo com os amigos, quer dizer. Acho que foi por isso que fiquei com tanta raiva mais cedo. Eu sabia o que você estava tentando dizer, mas não queria ouvir porque sabia que você estava certa. Em parte, de qualquer forma. Mas sua argumentação estava errada.

Olhei para ela incerta. Ela continuou.

— Você acha que eu fiz você passar tanto tempo com meus amigos porque você não era tão importante pra mim quanto costumava ser, certo? — Ela não esperou por uma resposta. — Mas não é essa a razão. É exatamente o oposto. Eu estava fazendo isso porque você é muito importante pra mim. Não tanto porque eu queria que você conhecesse meus amigos, ou pra que eles pudessem lhe conhecer, mas por causa de mim.

Ela parou insegura.

— Não sei o que você está tentando dizer.

— Você lembra quando eu disse que tirava forças dos momentos em que estou com você?

Quando assenti, ela passou os dedos pelo meu rosto. — Eu não estava brincando a respeito disso. O verão passado significou tanto pra mim. Mais do que você pode imaginar, e quando você foi embora, eu fiquei em ruínas. Pergunte a Mari. Eu mal trabalhava nas casas. Sei que te mandei cartas que fizeram você pensar que tudo estava bem, mas não estava. Eu chorava toda noite, e todo dia eu sentava na casa e ficava imaginando, esperando e desejando que você viesse correndo da praia. Toda vez que eu via alguém com um crew cut, sentia meu coração começar a bater mais rápido, mesmo que eu soubesse que não era você. Mas era isso. Eu queria que fosse você. Toda vez. Eu sei que o que você faz é importante e eu entendo que a sua base está a um mar de distância, mas não acho que entendia o quanto iria ser duro quando você não estivesse por perto. Parecia que estava quase me matando e levou um longo tempo pra até mesmo começar a me sentir normal novamente. E nessa viagem, você não imagina o tanto que eu queria te ver, o tanto quanto eu te amo, há essa parte de mim que está aterrorizada que eu vá ficar em pedaços novamente quando nosso tempo acabar. Estou sendo puxada em duas direções e a minha resposta foi fazer tudo que eu pudesse para que não tivesse que passar por tudo o que passei no último ano. Então tentei nos manter ocupadas, sabe? Para impedir meu coração de ser partido novamente.

QUERIDA LARY (gilary)Onde histórias criam vida. Descubra agora