Compartilhamos um último beijo. A abracei com força e murmurei que a amava, depois me forcei a soltá-la. Joguei minha mochila sobre os ombros e subi a rampa. Espiando por cima do meu ombro me dei conta de que Giana já havia ido embora, escondida em algum lugar na multidão.
No avião, me deitei na poltrona, rezando para que Giana estivesse dizendo a verdade. Embora eu soubesse que ela me amava e se importava comigo, subitamente entendi que mesmo amor e cuidado nem sempre eram suficientes. Eles eram os tijolos concretos da nossa relação, mas instáveis sem a argamassa do tempo passado juntas, tempo sem a ameaça da separação iminente sobre nossas cabeças.
Embora eu não quisesse admitir, havia mais sobre ela que eu não sabia. Eu não tinha me dado conta de como a minha licença no ano anterior a havia afetado e apesar de horas ansiosa pensando nisso, eu não tinha certeza de como isso iria afetá-la agora. Nossa relação, senti com um peso em meu peito, estava começando a parecer o movimento rotatório de um pião de criança. Quando estávamos juntas, tínhamos o poder de mantê-lo girando e o resultado era beleza, magia e um senso de maravilha quase infantil; quando separadas, a rotação começava inevitavelmente a ficar mais lenta. Nos tornamos cambaleantes e instáveis e eu sabia que tinha que encontrar um modo de impedir que caíssemos.
Tinha aprendido minha lição do ano anterior. Não só escrevi mais cartas da Alemanha durante julho e agosto, mas também telefonei pra Giana mais frequentemente. Ouvia cuidadosamente durante as ligações, tentando reconhecer quaisquer sinais de depressão e ansiando por ouvir palavras de afeto e desejo. No começo, eu ficava nervosa antes de fazer aquelas ligações; no fim do verão, eu esperava por elas. Suas aulas iam bem. Ela passou algumas semanas com os pais, depois começou o semestre de outono. Na primeira semana de setembro, começamos a contagem regressiva dos dias que faltavam para minha dispensa. Faltavam cem dias. Era mais fácil de falar de dias do que de semanas ou meses; de alguma forma fazia a distância entre nós diminuir para algo mais íntimo, algo que nós duas sabíamos que podíamos aguentar.
A pior parte já tinha passado, lembrávamos uma a outra, e descobri que enquanto eu contava os dias no calendário, as preocupações que eu tive sobre nosso relacionamento começaram a diminuir. Eu estava certa de que não havia nada no mundo que pudesse nos impedir de ficar juntas.
Liguei para Giana com a notícia de que perdi vários saldados em um atentado, Inicialmente, ela foi solidária. Como todo mundo, ela estava horrorizada com o que havia acontecido e entedia o senso de dever que pesava sobre mim, mesmo antes de eu tentar explicar. Ela disse que estava orgulhosa de mim.
Mas a realidade logo apareceu. Ao escolher servir ao meu país, eu tinha feito um sacrifício. Embora a investigação sobre os autores do atentado tenha sido concluída rapidamente, o ano terminou sem maiores sobressaltos para nós. Nossa divisão da infantaria não desempenhou qualquer papel na derrubada do governo Talibã no Afeganistão, uma decepção para todos no meu pelotão. Em vez disso, passamos a maior parte do inverno e da primavera treinando e nos preparando para a futura invasão. Foi por volta dessa época, acredito, que as cartas de Giana começaram a mudar. Se antes elas chegavam todas as semanas, passaram a vir de dez em dez dias, e com o passar dos dias, tornaram-se quinzenais. Tentei consolar-me com o fato de que o tom das cartas não havia mudado, mas com o tempo isso também aconteceu. Não havia mais as longas passagens em que ela descrevia como imaginava nossa vida juntas, as passagens que, no passado, sempre me encheram de expectativa. Escrever sobre um futuro tão distante a fazia lembrar quanto tempo faltava, algo doloroso de pensar para nós duas.
No final de Maio, consolei-me que pelo menos nos veríamos na minha próxima licença. O destino, porém, conspirou novamente contra nós poucos dias antes de eu voltar para casa. Meu comandante convocou uma reunião e, quando me apresentei em seu escritório, ele mandou eu me sentar. Minha mãe, ele disse, tinha acabado de sofrer um ataque cardíaco, e ele já se antecipou e me concedeu a licença adicional de emergência. Em vez de ir para Chapel Hill e passar duas semanas gloriosas com Giana, viajei para Wilmington e fiquei ao lado da cama da minha mãe, respirando o odor antisséptico que sempre me fez pensar mais na morte do que na cura.
Quando cheguei, minha mãe estava na unidade de terapia intensiva, e lá ela permaneceu durante a maior parte da minha licença. Sua pele tinha uma palidez acinzentada, e sua respiração era rápida e fraca. Na primeira semana, ela recuperava e perdia a consciência, mas quando ela estava acordada, vi emoções em minha mãe que afloravam raramente, e nunca combinadas: o medo desesperado, a confusão momentânea, e uma gratidão de cortar o coração por eu estar ao lado dela. Mais de uma vez, peguei sua mão, outra coisa inédita em minha vida. Por causa de um tubo introduzido em sua garganta, ela não podia falar, então eu conversei por nos duas. Embora eu contasse um pouco do que acontecia na base, falei principalmente sobre as moedas. Li o Greysheet quando saiu, e fui à casa dela pegar cópias antigas que ela mantinha arquivadas em sua gaveta e também as li.
Pesquisei por moedas na internet - em sites como David Hall Rare Coins e Legend Numismatics - e contava para ela as que estavam em oferta, bem como quais eram os preços mais recentes. Os preços me espantaram. Com base nas moedas da minha mãe que eu conhecia, comecei a suspeitar que a coleção dela, apesar da queda dos preços do ouro desde seu apogeu, valia provavelmente dez vezes mais do que a casa que ela tinha há anos. Minha mãe, incapaz de dominar a arte da conversa mais simples, havia se transformado na mulher mais rica que eu conhecia.
Ela não se interessava pelo valor das moedas. Desviava os olhos sempre que eu os mencionava, e logo me lembrei do que por algum motivo eu havia esquecido: para minha mãe, a busca pelas moedas sempre foi muito mais interessante do que as moedas em si e, para ela, cada moeda representava uma história com final feliz. Com isso em mente, fiz um grande esforço para lembrar todas as moedas que tínhamos encontrado juntas. Como minha mãe mantinha registros impecáveis, eu os examinava antes de dormir e, pouco a pouco, essas lembranças voltaram. No dia seguinte, eu relembrava ao lado dela as histórias de nossas viagens para Releigh, Charlotte ou Savannah. Embora nem mesmo os médicos soubessem ao certo se ela iria escapar, minha mãe sorriu mais naquelas semanas do que em toda sua vida comigo. Ela foi para casa um dia antes da data da minha partida e o hospital tomou medidas para que alguém cuidasse dela enquanto ela continuava a se recuperar.
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OPAAAN tudo bem com vcs???