— Sei que você deve estar irritada com a Mari ou comigo. Provavelmente com as duas. E acho que merecemos. Mas você não sabe como foi aquela época. Tanta coisa acontecendo, tantas emoções o tempo todo. Eu me senti culpada com o que estava acontecendo, Mari se sentiu culpada. Mas, depois de um tempo, começamos a nos sentir como se já fôssemos um casal. Mari começou a trabalhar no mesmo centro de avaliação de desenvolvimento que eu, e decidiu que queria montar um programa de fim de semana no rancho para crianças autistas. Seus pais sempre quiseram que ela fizesse isso, então me voluntariei para trabalhar aqui também. Depois disso, passávamos quase todo o tempo juntas. Montar o rancho nos fez concentrar em algo, e também ajudou Igor. Ele ama cavalos e havia tanto para fazer que gradativamente ele se acostumou ao fato de seus pais não estarem por perto. Foi como se nós todos estivéssemos nos apoiando uns nos outros... De qualquer modo, ela me pediu em casamento no fim daquele ano.
Quando ela parou, eu virei, tentando digerir suas palavras. Ficamos em silêncio por um tempo, ambas lutando com os próprios pensamentos.
— Então, é essa história — concluiu. — Não sei o quanto mais você quer saber.
Eu também não tinha certeza.
— Igor ainda mora aqui? — perguntei.
— Ele tem um quarto no andar de cima. Na verdade, o mesmo quarto de sempre. No entanto, não é tão difícil quanto parece. Depois que ele termina de se alimentar e escovar os cavalos, geralmente passa a maior parte do tempo sozinho. Ele adora videogames. É capaz de jogar por horas. Ultimamente, não consigo fazê-lo parar. Ele jogaria a noite toda se eu deixasse.
— Ele está aqui agora?
Ela balançou a cabeça. — Não — ela disse. — Agora ele está com a Mari.
— Onde?
Antes que ela pudesse responder, o cão começou a arranhar insistentemente a porta, e Giana levantou-se para abri-la. O cão entrou com a língua para fora e abanando o rabo. Veio na minha direção e cheirou minha mão.
— Ele gosta de mim — disse.
Giana ainda estava perto da porta. — Ela gosta de todos. O nome dela é Muna. Inútil como cão de guarda, mas doce como uma flor. É só tentar evitar a baba. Ela vai babar em você toda, se você deixar.
Olhei para o meu jeans. —Deu pra notar.
Giana fez sinal por cima do ombro. — Olha, lembrei que ainda tenho que guardar algumas coisas. Deve chover à noite. Não demoro muito.
Notei que ela não tinha respondido a pergunta sobre Mariana. Nem pretendia responder.
— Você precisa de uma mão?
— Na verdade não. Mas você é bem-vinda. A noite está bonita.
Eu a segui, com a Muna andando à nossa frente, tendo esquecido completamente que acabara de pedir para entrar na casa. Quando uma coruja apareceu entre as árvores, Muna correu na escuridão e desapareceu.
Giana colocou as botas novamente.
Caminhamos em direção ao celeiro. Pensei em tudo o que ela disse e me questionei de novo porque tinha vindo. Não sabia se estava feliz por ela ter casado com a Mariana já que elas pareciam perfeitas uma para a outra ou chateada pela mesma razão.
Nem estava contente por finalmente saber a verdade. De algum modo, percebi, era mais fácil não saber. De repente, simplesmente me senti cansada.
E, no entanto... Sabia que ela estava escondendo algo. Ouvi em sua voz, na ponta de tristeza que não desaparecia. À medida que a escuridão nos envolvia, aguçava-se a percepção de como estávamos próximas, e me perguntei se ela sentia o mesmo.
Mas ela não deu nenhum sinal disso.
Os cavalos eram meras sombras na distância, manchas sem uma forma reconhecível. Giana recolheu um par de rédeas, levou-as ao celeiro e pendurou-as em dois pinos. Enquanto isso peguei as pás que havíamos usado e arrumei-as junto ao resto das ferramentas. Na volta, ela checou bem se havia trancado o portão.
Olhando para o relógio, vi que eram quase dez horas. Era tarde, e nós duas estávamos conscientes do horário.— Acho que devo ir andando — disse. — É uma cidade pequena. Não quero ser a causa de qualquer fofoca.
— Você provavelmente está certa. — Muna apareceu do nada, perambulando, e sentou-se entre nós. Ela se enrolou nas pernas de Giana, indo para o lado. — Onde você está hospedada? —, ela perguntou.
— Em um hotelzinho de beira de estrada. Na saída da cidade.
Ela franziu o nariz, mesmo que por um instante. — Conheço o lugar.
— É uma espelunca — admiti.
Ela sorriu. — Não posso dizer que esteja surpresa. Você sempre teve faro para encontrar os lugares mais peculiares.
— Como a Cabana do Camarão?
— Exatamente.
Enfiei as mãos nos bolsos, imaginando se seria a última vez que nos veríamos. Se fosse o caso, teria sido um absurdo anticlímax; eu não podia deixar tudo acabar em conversa afiada, mas não conseguia pensar em nada para falar.