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São Paulo| Brasil
2 de Abril.

— Clara, você vai comigo né? — Bruna perguntou pela quarta vez, a voz suplicante me tirando da cama. — Eu não vou conseguir ir sozinha. Tenho vergonha.

Revirei os olhos, já sem paciência. Era sempre a mesma história com Bruna, era a típica torcedora fanática do Palmeiras, querendo sempre estar onde quer que o time estivesse.

— É só um evento, Bruna.— respondi com um tom entediado. — Você tem que parar de querer me carregar pra essas coisas. Sabe muito bem que eu não gosto, não vai ter nada demais lá.

Ela me encarou com seus olhos castanhos implorantes, a expressão de sofrimento me fazendo sentir um pouco culpada. Bruna era como uma irmã para mim, sempre presente nos momentos da minha vida e eu me sentia mal quando queria recusar algo vindo dela.

— Eu nem sei porque você está cogitando em não ir.— ela continuou, a voz agora carregada de um tom provocativo. — A sua mãe é presidente do time!

Suspirei, revirando os olhos mais uma vez. Era verdade, minha mãe, Leila Pereira, era a mulher mais "poderosa" do mundo do futebol brasileiro. Sua paixão pelo Palmeiras era contagiante, e ela dedicava cada minuto de sua vida ao time.

Eu, por outro lado, preferia me manter à distância dos holofotes, vivendo a vida da forma mais simples e discreta que eu podia e conseguia.

— Sim, eu sei.— respondi. — Mas eu não me envolvo com isso, você sabe. Além do mais, futebol não é muito a minha praia.

Levantei da cama, me espreguiçando como uma gata preguiçosa. A ideia de ir a um evento do Palmeiras me causava náuseas. Fotos, entrevistas, tendo que sorrir a todo instante e o pior, ter que usar aquela camisa verde.

— Eu acho que você deveria apoiar sua mãe mais vezes. — Bruna retrucou, a voz agora séria. — Assim como ela te apoiou quando você trocou várias vezes de faculdade. Completamente perdida do que você queria pra si mesma.

Ela me lançou um olhar penetrante, e eu me senti atingida por suas palavras. Era verdade, minha mãe sempre foi paciente e compreensiva com minhas indecisões, me apoiando mesmo quando eu parecia não ter rumo na vida.

— Valorizo sim.— respondi com sinceridade mas evitando seu olhar.

— Não valoriza não. — ela insistiu, a voz carregada de decepção. — Você nem vai nos eventos que ela te pede, quantas vezes você foi ao menos no Allianz Parque?

Cruzei os braços, me defendendo da acusação.

— Várias vezes.— respondi, mesmo sabendo que não era verdade. Shows não contavam, e eu quase nunca acompanhava minha mãe nos jogos do Palmeiras.

— Shows não contam. — Bruna alertou, me encarando com um sorriso forçado.

— Então é quase nenhuma. — admiti com um suspiro de derrota. — Eu não sou fã do Palmeiras e também não me tornaria por causa da minha mãe.

Peguei o meu celular do carregador, me refugiando na tela como quem busca um escape da conversa.

— Por favor, Clara. — Bruna implorou, a voz agora quase chorosa. — A sua mãe vai ficar super feliz em te ver lá. O elenco inteiro vai estar. E você sabe o quanto significaria pra ela.

Ela me olhou com os olhinhos de cachorro abandonado, e eu senti meu coração se apertar, eu sabia que a decepção da minha ausência seria grande para a minha mãe.

— Eu vou pensar. — respondi, ainda hesitante.

— É um evento beneficente para um hospital de câncer, Clara! — ela exclamou, a voz carregada de indignação. — Você não pode negar isso!

Ergui as mãos em rendição, cedendo finalmente à pressão de Bruna.

— Ok, tá legal! — respondi com um sorriso forçado. — Pra quando é isso?

Ela pegou seu celular e pareceu checar algo.

— Dia três. — avisou, e eu arregalei os olhos.

— Amanhã? — perguntei incrédula.

— Sim.— ela concordou, sorrindo triunfante. — Mas não se preocupe, já tenho tudo planejado na minha cabecinha.

Eu me joguei na cama, sentindo um misto de frustração e resignação. Amanhã? Eu mal havia tido tempo de pensar em qualquer coisa. Mas de qualquer forma, iria confiar nos planos duvidosos de Bruna.

Naquele dia, que eu concordei com a maluquice de Bruna passamos quase toda a noite discutindo detalhes sobre o evento do dia seguinte. Apesar de ela querer ir para casa, usei uma chantagem emocional, insistindo para que ela passasse a noite em minha casa e ameaçando não comparecer ao evento se ela fosse embora.

Enquanto a Bruna estava perdida no celular, vendo alguma coisa aleatória no TikTok, eu acabei mergulhando em pensamentos que me levaram para longe, fazendo com que eu refletisse sobre a minha vida e o que eu estava fazendo dela.

Aos vinte e dois anos, meu único desejo era aproveitar a vida com a confiança de que tudo se resolveria no final. Eu amava a minha forma de viver, na maioria das vezes quieta e isolada, tendo apenas minha paz sendo interrompida por Bruna de vez em quando.

Minha mãe é a presidente do Palmeiras e contrariamente a ela, sempre preferi viver longe dos holofotes e da atenção pública. Ela desde o início entendeu a minha escolha e nunca me forçou a nada, apenas quando era algo muito importante para ela, tanto quanto mãe quanto profissional.

Embora sinta orgulho da dedicação de minha mãe ao clube e da mulher que ela é, não compartilho do mesmo entusiasmo pelo futebol. Apesar disso, sempre a ouço falar sobre o assunto com carinho, como se eu fosse parte do elenco.

Eu sempre tentei me esforçar para agradar minha mãe, sabendo o quanto o futebol é importante para ela. No entanto, a decisão de participar do evento beneficente partiu de Bruna desde o início, minha mãe chegou a comentar comigo mas não fez um convite oficial, porque sabia que eu iria usar uma das minhas desculpas para não ir.

"Tenho que estudar pra faculdade." "Tenho prova." "Marquei de sair com a Bruna." (eu usaria essa última mesmo sabendo que a Bruna estaria lá).

Durante aquela madrugada, enquanto me preparava para dormir, perguntei a Bruna sobre os detalhes do evento, eu queria saber do máximo de coisas possíveis pra não correr o risco de fazer feio e matar a minha mãe de vergonha, eu posso não gostar da ideia de estar lá pelo time, mas jamais queria decepcionar a minha mãe.

E e ela explicou que seria no estádio, onde as crianças teriam a oportunidade de conhecer os jogadores e tirar fotos.

A informação diminuiu um pouco a pressão em relação ao que eu iria vestir, mas a ansiedade disfarçada de excitação me impediu de pegar no sono facilmente. Lembro claramente de que quando finalmente consegui adormecer, já era de manhã.

Amor em Jogo - PiquerezOnde histórias criam vida. Descubra agora