Capítulo 8

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— Tem um tempo? — Micael perguntou ao pai depois de dar duas batidinhas e ouvir um "entra".

— Surpreendente é você ter tempo às duas da tarde de um dia de plantão. — Brincou e deu risada. — Senta aí, filho.

— É, eu tava com um paciente agendado pra daqui a pouquinho, mas ele desmarcou. — Deu de ombros, Jaqueline tinha acabado de avisar. — Daí ao invés de adiantar o próximo, eu vim aqui falar com você.

— Você deve estar bem agoniado pra deixar de atender seus pacientes e vir conversar. — Botou uns papéis de lado. — Pode falar, filho.

— Se estiver muito ocupado com isso, eu volto depois. — Apontou para os papéis. — Não vim te atrapalhar.

— Não, isso aqui é... - Ele hesitou um pouco antes de continuar e Micael estranhou. — É a papelada pra contratação da nova pediatra.

— Ué, o que aconteceu com a Gisele? — Franziu a testa. — Não estava nem há um ano.

— Pediu demissão ontem. — Suspirou. — Tive que correr atrás de outra, se tem uma especialidade que não podemos ficar sem é pediatria.

— Pois é. — Suspirou ao se lembrar de Sophia. — É difícil achar bons pediatras que aguentem a rotina de um hospital com pronto socorro.

— É, saudades Sophia que nunca reclamou. — Suspirou.

— Saudades por causa disso? — Ele deu risada. — Interesseiro que só.

— Micael, você não veio aqui falar disso. — Mudou de assunto rindo. — O que é que está te afligindo.

— Eu saí com uma mulher ontem. — Surpreendeu Jorge. — E passei a noite com ela.

— O quê? — Disse sem acreditar. — Você está me falando que transou com alguém que não é a Sophia?

— Com ela seria algo meio sinistro, não acha? — Tentou fazer uma brincadeira, mas não tinha a melhor expressão. — Eu estou me sentindo culpado e um belo traidor.

— Não, claro que não. — Jorge disse alto. — Você só está seguindo a sua vida.

— Ela está doente, eu estou abandonando a minha esposa doente. — Encarou o pai. — Isso não é legal!

— Ora, Micael. Sua esposa não está com gripe, sua esposa está em coma há quase três anos! — Foi rude. — Você é um neurocirurgião, você sabe que isso é irreversível, você e Branca se iludem achando que ela vai acordar um dia, mas não vai!

— Não é irreversível. — Disse bem baixinho.

— E quanto de chance tem mesmo? — Ergueu uma sobrancelha. — Um por cento? Dois? Vocês estão esperando um milagre.

— E você está sendo cruel. — Disse ainda no mesmo tom. — Não precisa disso.

— Eu não quero ser cruel, eu quero fazer você enxergar que está esperando um milagre. Você tem que viver a sua vida. Amanhã ou depois, se a Sophia acordar, você decide o que faz.

— Ela vai me matar por ter ficado com outra pessoa. — Sorriu.

— Vai sim, com toda certeza, louca possessiva. — Se recostou e cruzou os braços.

— Quem passar e ouvir essa conversa vai achar que você odiava a Sophia. — Finalmente deu uma risada. — Quando na verdade gostava mais dela que de mim.

— Eu sempre gostei muito dela, todo mundo sabe, mas filho. Ela está inconsciente, você não. Viva a sua vida, depois quando ela acordar e brigar com todos nós por conta termos dado forças pra isso acontecer, a gente resolve. Se fosse ao contrário, eu estaria dando a ela conselhos pra seguir a vida também.

— Branca deu a maior força também, na verdade, deu mais que força, ela que me obrigou a convidar a menina pra sair.

— Quem é? — Jorge sorriu, curioso.

— A fisioterapeuta da Sophia. — Disse sem graça, mas Jorge gargalhou. — Irônico?

— Bom, tinha que ser daqui, afinal, você não sai. — Deu de ombros. - Mas me conte, além de se sentir culpado, foi bom? Vai de novo?

— Foi sim, a Tatiana é bem divertida. — Sorriu. — E esperta, ela percebeu que eu não estava a vontade com a situação e logo puxou o assunto que mais me deixa a vontade.

— Hum, deixe eu pensar aqui. — Colocou um dedo no queixo. — Se não foi doenças de cabeça, o que eu não acho que seja romântico, foi sobre a Sophia, o que eu acho menos romântico ainda.

— Pois é, mas acontece que uma boa ouvinte é sexy. — Deu risada. — E assim ela me ganhou.

— Bom te ver animado com outra coisa que não esse hospital. — Voltou a pegar seus papéis. — Vou contar a sua mãe.

— Não, não, não. — Balançou a cabeça dando risada. — Dona Antônia vai armar um jantar e exigir que eu leve a mulher. Só que não tem nada, foi uma noite!

— Ok, eu vou guardar pra mim, mas ela vai ficar bem feliz. — Micael se levantou.

— Vou atender meus pacientes. — Caminhou pra porta. — Obrigado por me ouvir!

— Você sabe que sempre vou estar aqui. — Micael assentiu e saiu da sala, rumo ao seu consultório.

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— Boa noite, Natália. — Micael cumprimentou a babá quando chegou em casa. — Tudo bem por aqui?

— Tudo sim. — Ela sorriu, já com a bolsa de lado, depois que Micael chegava, a menina ia pra faculdade. — Maitê está no quarto, desenhando. Vou indo, tá bem?

— Tá bem, obrigado, Natália. — Sorriu e a mulher foi embora. Micael subiu calmamente até o quarto da filha e sorriu ao ver o desenho que ela fazia. Eram os três, de mãos dadas. — Oi, filha.

— Papai! — Disse animada. — Chegou tarde hoje de novo!

— Um pouquinho mais. — Comunicou e se sentou ao lado da filha. — Como é que você passou o dia?

— Foi legal a escola hoje e a Nana é legal também. — Disse empolgada mas logo murchou. — Você vai brigar comigo por causa da briga no hospital?

— Eu não. — Puxou a menina pra cama. — É uma situação muito difícil e ninguém sabe ligar com a incerteza, meu amor.

— Mas a minha avó não tinha que ter me levado lá à força! — Disse bravinha, tinha uma ruga na testa igual a de Sophia.

— Depois, quando a sua avó estiver mais calma, eu vou conversar com ela, no momento, você decide quando quer ver a sua mãe ou não.

— Eu te amo, papai. — Ganhou um abraço. — E amo a mamãe também.

— E você pode ter certeza que te amamos em dobro. — Deu um beijo na testa da menina. — Mas ó, eu vou na sua escola reclamar, e nem adianta dizer pra eu não ir. Isso não é coisa para que seus amiguinhos façam piadas. — A menina balançou a cabeça, desengonçada. — Agora continua desenhando que o papai precisa tomar banho, logo mais a gente janta.

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