Capítulo 3

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Naquele mesmo dia, a remoção de Sophia foi autorizada e Micael levou a esposa pro hospital da família, que ficava a quase duas horas de distância.

Agora, estava passando pelos corredores, com seu estetoscópio no pescoço e jaleco branco com bordado no bolso: Micael Borges Neurocirurgião

Respondendo a cumprimentos pelo corredor como se sua vida estivesse em perfeita sintonia, até chegar em seu destino, o quarto que Sophia repousada, ligada a máquinas que verificaram pressão, oxigênio, batimentos e funções cerebrais.

— Boa noite, Dr Borges. — Duas técnicas de enfermagem que estavam ali, dando banho no leito cumprimentaram.

— Preciso ficar a sós com ela. — Disse seco, sem ao menos desviar os olhos pras jovens. — Agora.

— Já acabamos. — Uma das duas comentou e ambas saíram do quarto. Ele puxou um dos banquinhos que tinha ali e se sentou perto da esposa, segurando a mão.

— Oi, meu amor. — Fungou. — Eu espero que você saia dessa, você precisa sair dessa. — Deu um beijo na mão dela. — Maitê e eu precisamos tanto de você. — Continuou seu monólogo. — Você nunca mais vai andar no carro sem cinto, está me ouvindo? Aliás, você nunca mais vai antes de carro!

— Micael? — Ele secou as lágrimas ao ouvir a voz do pai. — Não precisa fingir que não está sofrendo só porque eu cheguei.

— Você acha que eu tenho condições de fingir que não estou sofrendo? — Fungou. — Olha pra ela.

— Eu sei. — Se aproximou e colocou uma mão no ombro do filho. — Não consigo imaginar a sua dor. — Micael ficou em silêncio. — Mas eu vim avisar que Branca e Renato chegaram e trouxeram a Maitê.

— Eles trouxeram a Maitê?! — Ficou de pé num pulo. — Só pode ser brincadeira.

— Disseram que não tinham com quem deixar. — Defendeu. — Nós sabíamos disso, por isso que não falamos de madrugada, não é?!

— Eu sei, mas a Maitê vai querer ver a Sophia e eu não posso trazer minha filha pra ver a mãe assim. — Bufou. — Me diz o que eu falo pra ela? Que a mãe dela está dormindo?

— Fala que não está aqui, que foi viajar. — Jorge respondeu não muito feliz. — Ela tem três anos, não é tão difícil enrolar.

— Você a conhece bem, ela é difícil de enrolar sim, ainda mais quando quer a mãe dela. — Saíram do quarto e foram caminhando até a sala de espera onde Branca e Renato estavam.

— Papai! — Ouviu a menina gritar antes de realmente vê-la. — Papai! — Ouviu novamente e então viu a pequena correndo dentre as pessoas para o colo do pai. — Eu estou com saudades.

— Oi, meu bebê. — Fez de tudo pra manter a voz normal, mas só de ver a filha, ali, tão alheia a tudo, já tinha vontade de chorar de novo. — Papai também estava com saudades de você. — Deu um beijo na princesa. — Como foi o dia com a vovó? — Ele perguntou enquanto andava em busca dos sogros. 

— Foi muito divertido. — Ela começou a contar. — Vovó colocou o colchão na sala e fizemos cabaninha!

— Igualzinho a mamãe faz! — Tentou fingir empolgação. — Deve ter sido muito divertido. — Chegou perto dos sogros. — Oi, gente. — Parecia ter um nó na garganta.

— E cadê a minha mamãe? Ela não estava com você, papai? — Perguntou e ele travou, apesar de saber que a menina perguntaria pela mãe, não conseguia responder.

— Maitê. — Jorge chamou sua atenção. — Você sabia que aqui na cantina tem bolo de chocolate com muito brigadeiro? — A menina abriu um sorriso, amava bolo de chocolate. — Se você quiser, esse é o momento, porque já já vai acabar.

— Eu quero! — Deu um grito e forçou a ida pro chão. Jorge deu a mão a ela e deu um olhar solidário pro filho, antes de sair de perto com a menina.

— Como é que está a minha filha?! — Branca perguntou claramente nervosa. — Eu quero vê-la.

— Sophia está em estado de coma. — Contou com pesar. — Eu não sei dizer a vocês quando é que ela vai acordar, mas posso dizer que estou fazendo o meu melhor.

— E se o seu melhor não for suficiente?! — Renato afrontou. — Eu vou procurar outro médico, um mais qualificado.

— Médico nenhum é capaz de despertar alguém de um coma. — Respondeu baixo, não ia se ofender, sabia que os ânimos claramente estariam alterados. — Somente a Sophia pode despertar, o que podemos fazer é ficar monitorando.

— Monitorando o que se não tem reação? — Disse ainda irritado. — Você estava dirigindo aquele carro, devia ser você naquela cama!

— Eu estava usando cinto de segurança. — Respondeu calmamente. — E bateram na traseira do meu carro, se não sabe, eu não fiz nada de errado, não mereço carregar essa culpa!

— Como não, olha pra você. Um dia depois do acidente está aqui desfilando de jaleco com essa pose autoritária, não parece que nada aconteceu.

— Renato, por favor. — Branca se meteu. — Você não tem direito de dizer ao Micael que ele não está sentindo a perda da Sophia. Ele a ama!

— Perda não. — Corrigiu. — Eu não estou sofrendo a perda e não vou. — Disse com confiança. — Ela vai acordar!

— Fala a verdade pra mim e não a ladainha que vocês médicos contam. — Branca pediu. — Você realmente acha que ela vai acordar?! A verdade! — Reforçou. — Aquela que você sabe no seu íntimo e não assume nem pra você mesmo. As chances são boas?

— Não. — Suspirou. — Sophia teve um traumatismo grave no crânio. Ela também fraturou uma vértebra da coluna, mas pelo que eu li no relatório, isso não foi uma lesão grave. Uma lesão no antebraço que já foi devidamente cuidada também, algumas escoriações.

— Minha filha deve estar sentindo tanta dor e não consegue reagir. — Branca chorou e foi amparada por Renato. — Tadinha!

— Ela não sente dor. — Contou. — Não reage a nenhum estímulo. É como se estivesse num grande nada, num limbo. Ela também não ouve.

— Mas não dizem que em estado de coma é bom conversar? — Branca questionou. — Eu achei que conseguissem ouvir!

— Não é bem assim. — Parou pra pensar em como iria explicar aquilo. — É que atualmente, no estágio inicial que ela se encontra, nenhum estímulo é reconhecido. Recomenda-se as conversas porque quando o paciente começa a melhorar, o primeiro sentido que volta é a audição. Nesse caso, ele estaria sendo estimulado mesmo sem sabermos que está voltando, entenderam?

— Está dizendo que mesmo não ouvindo, é pra falar com ela que pode ser que comece a ouvir e a gente não saiba? — Ela perguntou e ele assentiu. — Será que pode nos levar até lá?

— Você está bem? Quer tomar um calmante? — Perguntou baixo. — Não é uma cena fácil, não foi pra mim, não imagino como vai ser pra você. — Avisou, mas viu a sogra negar com a cabeça. — Tem certeza?

— Tenho. — Respirou fundo.

— Vamos lá então.

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