— Ué, isso aqui virou sala de aula? — Micael entrou no quarto de Sophia um tempo depois e as duas ainda estavam lá fazendo a lição. — Olha que fiquei surpreso com isso. — Vestia seu jaleco e tinha as mãos no bolso da calça.
— Minha mãe tá me ajudando com o dever de casa, ela é bem inteligente, você sabia? — Perguntou ao pai e o viu sorrir.
— Claro que eu sei, ela se formou como a primeira da turma, já te contou essa história? — Sophia balançou a cabeça com um sorriso. — E já reclamou da caligrafia dela?
— Duas horas seguidas! — Maitê respondeu antes da mãe e observou a gargalhada que Micael soltou. — Se eu soubesse que ia brigar tanto por conta disso, não tinha pegado o caderno.
— A letra da sua filha consegue ser pior que a sua. Me deu calafrios.
— Sabe que eu sempre imaginei o quanto você ia obrigar a nossa filha a treinar caligrafia se visse como ela escrevia. — Se aproximou da cama ainda rindo. — E olha aí você, fazendo exatamente isso, só prova o quanto eu te conheço bem.
— Conhece sim... — Se encararam por um instante em silêncio, Branca e Maitê os olhavam com um sorriso no rosto. — O que veio fazer aqui?
— Tem certeza que não sabe? — Tirou a mão de dentro do bolso e junto com ela uma seringa e tubo.
— Ah, não. — Falou revoltada. — Você tirou meu sangue ontem! É sério, Micael, eu já não aguento mais.
— Você desmaiou ontem, preciso saber se está bem de verdade! É precaução.
— Eu tô ótima, você mesmo disse que foi estresse! Por favor, deixa pra amanhã, meus braços estão doendo de tanto que você fura. — Maitê deu risada da careta da mãe e o jeito que implorava.
— Você está dando um péssimo exemplo pra sua filha. — Avisou apontando pra menina com o queixo. — Quando ela tiver que tirar sangue, quero ver o que você vai dizer.
— Nada disso, estou aqui há meses com você me furando todo dia. — O observou prender a risada.
— Nunca foi todo dia e você sabe bem, dramática. — Respondeu na brincadeira. — Mas tudo bem, eu só queria implicar com você um pouco. — Chegou perto e se sentou na cama, perto dos pés da ex-mulher. — Não quero tirar seu sangue hoje.
— Que canalha! Você me fez implorar como uma garotinha! — Se inclinou pra frente e bateu nele com o caderno da Maitê.
— Isso, estraga mesmo o caderno da menina, ela vai adorar ficar sem. — Brincou e viu a filha rir, estava muito bem humorado para o caos que vivia.
— O que veio fazer aqui hein, criatura? — Sophia colocou o caderno de volta na cama e observou bem a mudança de expressão no rosto de Micael. — Aconteceu algo?
— Eu vim falar com a Branca. — Olhou pra ex sogra que ficou atenta ao ouvir seu nome. — Será que dá pra levar a Maitê pra dormir com você? — Todo mundo ficou surpreso com o pedido.
— Mas por quê? — A menina disse alto como se odiasse a casa da avó, o que não era verdade. — Por que eu não posso ir pra casa hoje?
— Porque não vai ter ninguém em casa. — Ele deu ombros. — Ou você fica com a sua avó, ou com a Nana. Minha mãe mora muito longe pra eu te levar lá e você sabe.
— Nana? Dormir na casa da Nana? O que aconteceu pai?
— Não vai ter ninguém em casa e você não tem idade pra ficar sozinha. — Sophia observava aquele diálogo com total atenção. — Então simplifica a minha vida, Maitê.
— Você e a tia Tati vão sair? — Ele olhou de rabo de olho para Sophia que fez uma careta ao cogitar aquela hipótese.
— Não é isso. — Pensou se diria aquilo naquela hora ou se aguardaria um momento mais apropriado, mas no final acabou contando, não tinha sentido guardar segredo. — Tatiana foi embora de casa.
— MAS O QUÊ? — A menina deu um grito. Sophia e Branca arregalaram os olhos alguns instantes e em seguida suavizaram a expressão. — Quando isso? E o Miguel? Vamos ficar sem vê-lo?
— Não faz pergunta difícil, Maitê. Depois a gente vê a situação do Miguel, no momento eu preciso arranjar alguém que tome conta de você a noite.
— Eu também não sou nenhuma criança, sei tomar banho, escovar meus dentes e dormir na hora certa. — Sophia cruzou os braços encarando a filha alguns momentos. — Que foi, mãe? Eu já sou crescida.
— Viu só o tipo de coisa que eu tenho que aturar? — Micael disse para Sophia. — Se liga, guria. Você vai fazer dez anos, isso não é idade de passar a noite sozinha.
— Injusto.
— Branca? — Micael a olhou, ignorando a filha de bico.
— Claro que eu levo. — Disse com um sorriso. — Mas de manhã eu faço o quê?
— Traz pra cá de volta, eu te espero no fim do meu plantão.
— E vamos ficar nessa a vida toda? Fala sério, vocês podem confiar em mim.
— Maitê, a resposta é não! — Disse forte e a menina se deu por vencida. — Não insiste nisso, que chatice.
— Chatice é você achando que eu sou um bebê. — Respondeu o pai e o irritou mais uma vez.
— É por causa disso que você vive de castigo. — Disse com um tom de voz forte. — Você não tem que falar comigo dessa forma, Maitê. E quer saber, não precisa não, Branca, ela vai pra casa da Natália.
— O quê? — A menina arregalou os olhos. — Não, pai!
— Não pai? — Repetiu sem dó. — Você acabou de perder a chance de ficar aqui com a sua mãe até a hora que a sua vó fosse embora e de voltar amanhã cedo.
— Por favor!
— Não! — Levantou da cama e saiu do quarto antes que falasse algo e se arrependesse depois.
— Toda vez que ele ficar com raiva de mim vai afastar a gente? Isso é maduro? — Maitê disse com os olhos cheios de lágrimas. — Ele tem direito de fazer essas coisas? E você, porque não me defendeu? — Cruzou os braços, esperando a resposta da mãe.
— Maitê, acho que você está confundindo muito as coisas aqui. — Sophia encarou a filha e disse com um tom de autoridade. — Você não tem direito de faltar com respeito, seja com seu pai, comigo ou qualquer outro adulto á sua volta. Não interessa se está com raiva ou acha que está sendo vítima de injustiça. É feio, aprende a falar.
— Meu pai vai me mandar embora e você vai brigar comigo?
— Minha filha, ele te deu duas opções. Ficar com sua avó ou com a Nana. Você não escolheu nenhuma das duas e foi desrespeitosa, ele escolheu por você.
— Ele escolheu me mandar pra longe de você e está contente com isso?
— Não estou contente com isso, mas ele agiu de forma correta. Você faltou com respeito, tem que ser castigada, é assim que a vida funciona mocinha, cada ato gera uma consequência.
Ele tirou de você a coisa que você mais quer no momento, que é ficar comigo.— Mãe...
— Dá um tempo, procura seu pai, diz que se arrependeu e pede de desculpas. Mas tem que ser sincera. Micael vai te ouvir e deixar que durma na casa da sua vó. Combinado?
— Se não tem outro jeito. — Se sentou de braços cruzados e um bico.
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Segunda Chance
RomanceApós um trágico acidente durante uma viagem de casal, Sophia acabou entrando em coma. Micael, seu marido passa a viver em função da esposa meses após meses, anos após anos. Deixando a pequena Maitê, filha do casal, um pouco de lado. Ele finalmente...