Capítulo 14

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— Que isso, eu lembro de você sim! — Brincou.

— E o Miguel aproveitou bem a festinha? — Tati puxou a segunda cadeira e se sentou ao lado de Branca. — Quero ver as fotos depois.

— Ele amooooou! — Sorria bastante. — O pula pula no quintal é a segunda casa dele, hoje a tarde quando o dono for buscar, eu não quero nem ver, ainda bem que é a Natália que vai estar lá com eles.

— Tadinho, por que não aluga mais um ou dois dias? — Perguntou interessada. — Ou melhor, porque não dá um pula pula pro menino de presente, aquele quintal é gigante!

— É, aquele quintal é gigante. — Falou um pouco mais triste. — Minha mãe mora em apartamento.

— Tatiana! — Micael a repreendeu e ela ergueu as mãos. — Para com isso! Que coisa! — Branca alternou olhares entre os dois. — Nós conversamos ontem!

— Tudo bem, eu não vim falar sobre isso. — Suspirou. — Sophia está livre ou está fazendo algum exame ou terapia agora?

— Sessão de fono com a Lidiane. — Micael abriu o prontuário de Sophia no computador, mesmo que soubesse aquilo de cor. — Pelo que me consta, serão três sessões por dia, com duração de uma hora cada. Uma em cada turno.

— Tá, mesma coisa pra mim. — Avisou. — Anota aí, eu ainda não finalizei as séries da tarde e noite, mas a da manhã já está esquematizada, quando Lidiane acabar, me avisa.

— Tá bem. — Ela deu outro beijo em Branca e saiu do consultório.

— Viu só?! — Micael apontou pra onde ela havia saído. — "Minha mãe mora em apartamento" — Remendou Tatiana com deboche.

— Tadinha dela, não precisa ser grosso. — Branca o olhou feio. — Ela ama você e está se sentindo ameaçada, não deve ser fácil estar na posição dela. Seja compreensivo.

— Eu falei pra ela parar de sofrer com isso agora.

— Ou seja, você falou pra ela esperar a Sophia ficar boa pra começar a sofrer? — Branca riu. — Você não é bom com palavras, seria um péssimo advogado.

— Eu não sei o que fazer! — Balançou a cabeça. — Me diz, Branca. O que eu faço?

— Para, pensa e ouve seu coração. — Ficou de pé. — Antes de querer entender o mundo a sua volta, você precisa se entender e saber o que você quer. Sophia e toda loucura ciumenta dela, desestruturar toda a sua vida, aturar todo o chilique que ela vai dar, ou continuar com a sua vidinha monótona do jeito que está?

— Às vezes parece que você quer que eu fique com a Tatiana.

— Não é bem isso. — Deu de ombros. — Eu amo você como um filho, você sabe disso. — Ele assentiu. — Sabe o quanto eu amaria se você fosse meu genro, mas a realidade é diferente. Seis anos passaram, sentimentos mudam. Você está confuso assim, porque não teve chance de escolher entre uma ou outra, Sophia estava fora de questão. Agora que você pode escolher, a dúvida é natural. Cabe a você pesar os prós e contras. — Sorriu. — Vou indo e deixar você refletindo. Depois conversamos mais. Até mais, filho.

Micael ficou em seu consultório muito tempo até ouvir o alarme da emergência e correu pra atender, tudo o que precisava naquele momento era um alarme de emergência mesmo, se preocupar com problema dos outros aí invés dos dele.

Quando Tatiana apareceu no quarto, pouco depois das dez da manhã, somente Branca estava lá, lia uma livro pra filha.

— Oi, Branca. — Cumprimentou com a cabeça dessa vez e logo se virou pra loira, que a acompanhava com os olhos. — Bom dia, Sophia! — Foi cordial. — Eu sou Tatiana, sua fisioterapeuta desde o primeiro momento, agora, vamos começar com terapias mais intensivas afim de reabilitar seu corpo, tudo bem? — A loira piscou. — Ótimo, agora pela manhã, vamos começar com as mãos, apenas. Vamos trabalhar com os dedos, não precisamos de pressa, tudo é um processo bem lento, tá bem?

Tatiana realizou a sessão com Sophia durante uma hora e saiu avisando que voltava lá pelas 14h, após a sessão de Lidiane. Branca voltou a ler e conversar com a filha até o almoço.

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A recuperação de Sophia era incrivelmente fantástica. Em pouco tempo ela já conseguia falar razoavelmente bem. Toda vez que perguntava sobre as coisas, Branca e Micael desconversavam. Também não haviam contado a Maitê sobre a mãe, que quando perguntava pela menina, eles a enrolavam.— Eu soube que é aqui que alguém já está escrevendo?! — Micael disse ao entrar no quarto de Sophia.

— Se você considera esse garrancho aqui uma escrita, acertou. — Ela ergueu a folha que tinha recebido pra testar. — Tatiana disse que era pra eu treinar, mas eu nunca imaginei que tentar escrever Sophia era tão exaustivo.

— Você está falando muito bem. — Comentou e se aproximou. — Tudo bem, Branca? — Deu um beijo na testa da senhora. — E outra, garrancho é a marca de um bom médico, sua caligrafia bonitinha nunca combinou com a profissão.

— Deixa de ser ridículo. — Rolou os olhos. — Já se passaram meses e eu ainda estou aqui sentada em cima dessa cama. — Fez um bico. — O que eu não dava pra ficar em pé?!

— Deixa de ser apressada, você estava em coma. — Ele deu uma risadinha. — Seu corpo estava desconectado, um bebê demora um ano pra aprender a andar, às vezes mais!

— Comparação tosca pra se fazer pra uma pediatra. O bebê não anda cedo por conta que não tem sustentação, os ossos são frágeis, não tem nada a ver com o fato do meu corpo não obedecer a minha mente.

— Que resposta tosca pra se dar a um neurologista. — Cruzou os braços. — Tem tudo a ver!

— Será que vocês podem parar com essa briguinha ridícula? — Branca se meteu.

— Ninguém aqui está brigando. — Sophia se recostou nos fofos travesseiros. — Você veio fazer o que aqui?! — Ele enfiou a mão dentro do jaleco e pegou no bolso da camisa uma pequena caixinha que continha uma seringa e uma ampola. — Ah, não! DE NOVO NÃO! — Deu um grito. — Você tira sangue de mim todo dia há meses, chega!

— Pode parar de ser dramática? — Deu uma risadinha pegando algodão com álcool. — São duas vezes na semana e porque eu estou acompanhando a sua deficiência nutricional. Estica o braço, porque se não eu vou tirar da mão ou então da coxa que dói mais.

— Você não seria capaz. — Ela tentou fazer cara de brava.

— Você quer apostar? — Ele puxou o cobertor dela e ergueu um pouco a camisola do hospital, se preparando pra apertar a coxa.

— Não! — Disse alto. — Não ouse enfiar essa agulha na minha coxa. — Não tinha força pra fugir, nem pra empurrar Micael se ele realmente quisesse furar a coxa dela.

— Estica logo o braço. — Cobriu Sophia de novo. — Eu e você sabemos que não é sangue arterial que eu preciso e sim venoso, da coxa não serve, mas eu posso tirar do pé se você continuar a graça.

— Sabemos, mas eu e você sabemos que você é louco, capaz de me furar só de pirraça. — Fez um bico e esticou o braço. — Mãe, eu quero outro médico. — Branca deu risada. — É sério, não aguento mais esse aqui, me furando o tempo todo!

— A minha mão é levíssima, você devia agradecer. — Sophia fez careta quando ele prendeu o garrote. Micael já estava de luvas descartáveis e fez a punção certeira na veia de Sophia. — Você sabe ler exame de sangue ainda?

— É claro que eu sei. — Bufou.

— Vou trazer o seu e você vai ver porque é que eu insisto em furar você sempre.

— Vai trazer os quinhentos que já fez? — Fez pirraça e Micael deu risada. Soltou o garrote e colocou o sangue dentro do pote.

— Você pode ter certeza que o próximo exame eu vou mandar uma enfermeira vir coletar. — Colou um Band-aid e Sophia dobrou o braço. Guardou o tubo dentro da caixinha e pôs de volta no bolso. A seringa e as luvas foram descartadas na lixeira.

— Eu quero é que não tenha próximo. — Sophia suspirou. — Eu quero alta, Micael. Eu quero ir pra casa, eu quero saber das coisas que vocês me escondem.

— A gente te esconde? — Ele franziu a testa, sonso. — Não tô lembrado de nada.

— Eu quero ver a minha filha! — Falava baixinho. — Quando é que vamos conversar sério e vocês vão me dizer quanto tempo eu dormi? É tão assustador assim? Foi um ano? Um pouco mais, Não é justo eu ficar no escuro de tudo esse tempo todo, não me deixam ver um jornal, só passa novela nessa televisão!

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