Capítulo 36

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Micael saiu do quarto e foi até seu consultório, o hospital estava bem calmo naquele início de plantão. Pensou e repensou se devia realmente mandar a menina pra casa com Natália e chegou a conclusão de que não valia a pena comprar aquela briga, tinha coisa muito mais importante pra se preocupar. 

Pegou o celular e resolveu ligar pra Tatiana, queria perguntar sobre o filho e como haviam chegado lá, mas a mulher não o atendeu. Suspirou e abaixou a cabeça na mesa, pensando em como resolveria seus problemas. 

Mais de uma hora depois ele voltou ao quarto de Sophia para dizer a Branca que poderia sim levar Maitê pra casa. Kaique já estava ajeitando a loira pra fisioterapia da noite e parou assim que ele chegou, a mulher estava em pé. 

— Voltou é senhor estressadinho? — Brincou e o viu dar um sorriso de canto. — Que cara de bobo é essa? 

— Eu gosto de te ver em pé, parece que nada aconteceu. — Deu de ombros e a viu sorrir. — Cadê a sua filha? — Olhou em volta e não a viu em nenhum lugar do quarto. 

— No banheiro. — Respondeu apontando. — Você já chamou a Nana? 

— Eu não vou chamar a Natália, a coitada merece descansar da Maitê. — Brincou e Sophia deu risada. 

— Eu conversei com ela, vai te pedir desculpas, finge que mudou de ideia por causa disso. 

— Está querendo dizer que me deu razão? Está com febre? Viu só, você devia me deixar te examinar direito, claramente tem algo errado com essa tua cabeça. — Brincou e ouviu a risada de Branca, que estava sentada observando os dois. 

— Para de ser idiota, eu posso ser ignorante com você, ela não. 

— Sophia, se ela tivesse aprendido a ser assim agora vendo a gente brigar, estaria ótimo, mas ela é mal criada desde sempre, não sei nem que castigo dar pra essa menina que ainda não tenha dado. — Deu de ombros observando a expressão de indignação do ex-marido. — Aquela ali é você inteirinha. 

— Isso é uma coisa boa, serviu pra você ter menos saudades. — Brincou e viu Micael olhar pra Branca com uma sobrancelha erguida.

— Sua filha não é fácil, Branca. — Ergueu as mãos em rendição. — A única coisa que me fez sentir menos a sua falta foi a Tatiana, Sophia. — Ela não esperava aquela resposta e tinha uma expressão de surpresa. — É a verdade. 

— Você não sabe o que quer, não é? — Kaique tinha se afastado um pouco, mas prestava atenção. — Parece muito confuso em relação a nós duas. 

— Às vezes eu pareço decidido, não demora muito e tudo muda dentro de mim. É muito complicado. 

— É, você parecia muito decidido de madrugada. — Ela o olhou no fundo dos olhos, mas a conversa foi interrompida por Maitê que voltou do banheiro. — Oi, filha. 

— Pai, eu estava querendo mesmo falar com o senhor. — Ele a olhou com uma sobrancelha erguida. — É, eu sei que essa cara aí é porque eu falei "senhor", mas é sério. 

— Fala Maitê, minha cabeça não aguenta mais problemas, ajuda o papai. 

— Eu só quero pedir desculpas pelo jeito que falei, não quero te estressar mais não. — Estava de braços cruzados. — Não tenho culpa de nenhum dos seus problemas, a causadora da discórdia é minha mãe. 

—  Maitê, isso é coisa que se diga? — A menina conseguiu arrancar uma risada do pai, às custas da mãe. — Nunca vi pedido de desculpas mais ridículo. 

— Tá legal, me desculpem os dois. — Se deu por vencida. — Não vou nem falar mais nada, estou sempre errada, não é mesmo? 

— Dramática toda a vida, vou ter que concordar com seu pai quando ele diz que você tem a minha personalidade. — Viu a menina dar risada, sabendo que tudo ficaria bem. 

— Vamos, dona Sophia? — Kaique a chamou, desconfortavelmente. — Está passando do horário da sessão e a Tatiana vai brigar comigo amanhã. 

— Você sabe se ela vem amanhã? — Sophia perguntou ao fisioterapeuta com certa esperança. — Ou se vai deixar de me atender? 

— Até parece que eu ia deixar de atender a minha paciente mais teimosa. — Tatiana entrou no quarto de Sophia com um sorriso forçado, todo mundo sabia que ela não estava bem. — Posso saber por que é que não foi iniciada a sessão ainda, Sophia? 

— Não esperava te ver aqui hoje. — Sorriu á amiga. — Kaique disse que você não vinha. 

— É, eu mandei avisar, mas a verdade é que ficar em casa me lamentando não é bem a minha praia, muito melhor eu vir aqui e pegar no seu pé.

— Senti sua falta na sessão de mais cedo. — Sorriu á mulher. — O Kaique é bonzinho demais. — Implicou com o rapaz que logo ficou envergonhado e nada disse. — Que bom que veio.

— E o Miguel? — Micael olhou pra ex-mulher, em nenhum momento Tatiana tinha o encarado ainda. — Ficou com a sua mãe?

— É lógico que sim, agora mais do que nunca eu preciso trabalhar, não é mesmo? — Cruzou os braços e o viu bufar. — Que é?

— Eu não vou deixar nada faltar pra vocês, Tatiana.

— Sinceramente, Micael. Não estou afim de ter essa, ou qualquer outra conversa com você nesse instante. Será que eu posso fazer o meu trabalho?

— Ignorante demais. — Saiu do meio e deu passagem a ela. — Bom trabalho, Tatiana. — Disse com certo deboche e antes que saísse do quarto viu uma enfermeira se aproximar dali esbaforida. — Que isso, Cíntia?

— Dr. Borges, precisamos de você. — Disse ao recuperar o fôlego. — Uma gestante já com trinta e oito semanas deu entrada na emergência após um acidente de carro. A pediatra e a obstetra já foram enviadas ao centro cirúrgico. Já temos autorização do pai pra salvar o bebê.

— Salvar o bebê? Mas e ela? — Saiu do quarto sem dizer nada com as pessoas. Precisava correr.

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— Ué, será que tem algum problema com alarme de emergência? — Sophia comentou após ele ter saído. — Caramba, coitada dessa mulher.

— Pior é como vai ficar o Micael se não conseguir salvá-la. — Branca comentou de onde estava, sentada em sua cadeira de acompanhante e a filha a olhou confusa. — Toda vez que chega uma vítima de um acidente como o que vocês tiveram, ele fica abatido. Ele leva tanto pro lado pessoal que quando acaba perdendo a paciente é como se perdesse você.

— Mas o quê? — A loira franziu a testa, olhando agora pra Tatiana. — É sério?

— Te surpreende? — Tati perguntou com outro sorriso forçado. — Acho que na cabeça dele se tivesse naquele centro cirúrgico cuidando de você, não tinha entrado em coma.

— Mas gente, o que isso tem a ver? Não foi incompetência do médico, foi um acaso. Eu voei pra fora do carro!

— Sophia, Micael sempre se culpou por tudo. — Branca falou e a filha voltou a atenção a ela. — Pelo acidente, pelo coma, pela Maitê não ter mãe, pelo futuro interrompido, logo depois quando encontrou a Tatiana, se culpou por estar feliz... E então tudo foi passando. A chegada do João ajudou muito.

— Sim! — Tatiana quem completou. — Existe um Micael antes e um depois do João. Mas ele nunca deixou de levar pro pessoal qualquer mulher que chega aqui acidentada igual a você. Se essa mãe morrer, ele vai ficar um trapo. — Tati tinha uma expressão triste.

— Vocês me deixaram triste, sabiam?

— Vamos parar com esse papo baixo astral e ir pra sua sessão? Que tal você ir andando até a sala de fisio?

— Ficou louca? É longe demais, no meio do caminho eu vou cair.

— Cai nada, eu e Kaique vamos te segurar. — Falou empolgada. — Eu sei que você consegue. Que tal tentarmos?

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