Capítulo sessenta e seis.

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Raro.

A cabeça do ser humano é coisa de maluco pra entender, papo reto. É por isso que entendo Pablo Escobar que tinha um zoológico dentro de casa, preferia bicho do que gente. Tu imagina tu conhecer um moleque descalço e passando necessidade em casa, aí esse moleque vira amigo do teu filho e tu resolve ajudar a tirar o moleque do fundo do poço. Imaginou? Esse foi o caso do Alexandre vulgo Coquinho.

Nunca me esqueço do dia que eu vi o Roger entrar em casa chorando porque viu Coquinho passando fome. Roger tinha mais ou menos uns três, quatro anos de idade. Raramente eu me importo com o problema dos outros, mas ver meu filho desesperado mexeu na minha mente e a mente revirou. Coquinho não foi o primeiro e nem vai ser o último a passar dificuldade, mas eu me botei no lugar dele, imaginei que poderia ser meu filho no lugar dele e eu me comovi. Eu e a minha mulher praticamente criou o Coquinho dentro da nossa casa. Eu mandava cesta básica todo mês, fortalecia na mistura, no remédio da avó dele e outras coisas que precisasse. Anos mais tarde, menorzinho ainda, entrou pra boca e confesso que eu nem insisti muito pra ele mudar de ideia.

Eu precisava de fogueteiro e ele era perfeito na época. Daí ele foi passando pelas função, até chegar no cargo de gerente de uma das bocas, mas, tinha total liberdade pra estar onde quisesse, desde que não vacilasse na missão e ele realmente mostrou serviço. Infelizmente foi comprado a troco de nada, se vendeu e me traiu por causa de um sentimento não mais correspondido.

Isso não justifica a traição nem se Belisa fosse a última buceta do mundo.

Estava no microondas distraído esperando minha mulher chegar com o resto da encomenda que ela foi buscar, quando senti uma mão passando na minha lombar, quando eu virei pra ver até sorri, era a própria Babi.

Poderosa: Oi bonitão, prazer em te ver, delícia. - falou baixinho - Você vem sempre aqui?

Raro: Prazer eu tenho quando te vejo nua, quando eu te boto de quatro e te fodo com raiva. - falei no ouvido dela que sorriu e me olhou com cara de safada - Só venho aqui quando é necessário, gata! Sabia que você tem a cara da mãe do meu filho?

Poderosa: E ela é gostosa assim é? - concordei com a cabeça e sorri dando um selinho na boca dela - Não tem problema, adoro ser sua amante.

Raro: Eu amo todas as suas versões, inclusive quando você se faz de minha amante, fico cheio de tesão. - falei no ouvido dela e apertei a bunda da mesma com vontade.

Poderosa: Até me arrepiei. - mordeu o lábio - Vamo acabar com isso que hoje nós vamo dormir fora de casa.

Raro: Ué, por quê? - estranhei.

Poderosa: Tu tem alguma dúvida que até a força nacional vai baixar aqui depois que nós passar esses filhos da puta? - me olhou e eu concordei - Eu tenho que voltar pro Paraguai e não posso deixar você aqui.

Raro: Concordo com essa parada não, Babi. Largar a pica toda nas costas do Índio sozinho, qual foi? Tu vai e eu fico aqui, essa parada é minha e é pessoal. - me olhou sério.

Poderosa: Tem momentos na vida que a gente tem que saber até onde a gente pode botar as caras e tem que saber o momento de sair com o rabo entre as pernas. - acariciou meu rosto e eu beijei a palma de sua mão.

Raro: Depois a gente conversa sobre isso, pode ser? - olhei pra ela sério.

Poderosa: Pode, mas você não vai fugir dessa conversa por muito tempo.

Raro: Nem se eu quisesse, nós dorme junto, esqueceu?

Poderosa: Não dá pra esquecer, malandrão. - deu duas batidas de ombro - Vou mandar o pessoal entrar.

Me posturei, cruzei os braços e aguardei a entrada do meu pessoal, incluindo o Índio e os filhos da puta. Enquanto eles entravam, passou um filme rápido na minha mente, voltei no passado até o dia em que eu vi meu filho numa porra de uma UTI entre a vida e a morte, todo cheio de fio pelo corpo, usando sonda e um dreno. Vi a morte rondando meu filho, fiquei nervoso e saí pedindo pela vida dele pra tudo que é santo, pra Deus, fiz promessa e até pedi pros bisavós dele intercederem também se puder.

Nunca fui apegado com religião não, mas na hora do desespero é até automático. Claro que quando ele abriu os olhos, eu agradeci e faço questão de cumprir o que eu prometi.

Raro: E aí, arrombado, filho da puta! Gostou do uber que eu mandei pra tu? - abri um sorrisinho.

Coquinho: Tu não tem prova de nada que eu fui eu, Raro.

Índio: Inacreditável. - negou com a cabeça.

Poderosa: Que isso, criança? Ninguém chegou a te contar não? Nós tem olho, nós tem ouvido em todo lugar que tu imaginar.

Raro: Tu roncou lá do Dendê, pagou de brabão pra mim, aliás pra nós e disse que ia lá no hospital terminar o que tu começou. Tá, foi quase perfeito, mas tu se esqueceu que quem te criou, fui eu. Quem te ensinou o que tu sabe, fui eu também. Tu tinha tudo pra ser sujeito homem, mas tu preferiu me trair e trair quem sempre te tratou de igual pra igual.

Coquinho: Roger mexeu com a minha mulher e não tá no teu mandamento lá que não se mexe com mulher de amigo?

Índio: Ex. - o corrigiu - E nem isso, vocês só ficaram algumas vezes. Até parece que eu ia permitir minha filha com um sem futuro que nem tu! Eu já não queria ela com o Roger que é piloto de avião, herdeiro de não sei quantos milhões, imagina contigo que não tem nem onde cair morto.

Raro: Sem esculachar, Índio. - o repreendi - Mais respeito que tu tá falando do meu filho.

Índio: Modo de falar, eu não queria, mas a Belisa quis e acabou. Que seja eterno enquanto dure, né essa parada? - me olhou e eu concordei.

Coquinho: Só que com ele, o tratamento é diferente, é filho de chefe e nele ninguém encosta. Se fosse outro fudido qualquer, já tava morto. - cuspiu as palavras quase gritando.

Eu fui me lembrando da imagem do meu filho todo ensanguentado dentro do carro, dos vídeos que rodou por aí mostrando os caras tirando ele de dentro do carro e tudo que o moleque tá passando e de branco eu fui ficando vermelho e de vermelho fiquei roxo.

Mandei os caras soltar e ele entrou na porrada. Eu bati, bati tanto que não deu tempo nem dele pensar em reagir. Se reagisse, Babi passava ele na bala porque ela tava com a arma destravada. Desci a madeira, quebrei dente, nariz e tomou pancada de mim até ele aprender a falar fino. Terminei até ficando com dor nos ombros porque eu descarreguei todas as minhas forças.

Raro: Tu vai aprender a nunca mais tocar em família de bandido, filho da puta. - respirei fundo - Traz o tambor, porra. - ordenei.

Poderosa: Você tá bem? - se aproximou de mim e eu só concordei com a cabeça.

Raro: Vai soltando esse filho da puta devagar no ácido, vai. - falei alto - De cabeça pra baixo não, eu quero ver se desfazendo e os outros dois… - fui interrompido.

Choque: Os outros dois o BN mandou buscar, vão terminar a brincadeirinha na Penha.

Raro: BN manda em que aqui que eu não tô sabendo? - me bolei - Fala pra ele que a encomenda é minha. O filho que tá no hospital é meu e vão morrer na minha mão, pode dar meia volta daqui Choque. - falei bolado.

Choque só revirou os olhos e respirou fundo. Ele se aproximou de mim e nós ficou vendo o corpo do outro diluir, mandei pegar as duas bicha e mandei tacar de cara com tudo dentro e assisti o bagulho diluindo.

Terminei o que eu tinha pra fazer, peguei Babi e meti o pé de lá pra outra casa que nós tem na favela. Nós se trancou, encheu a casa de fuzil e sentamos pra conversar o que nós ia fazer pelas próximas horas e ela tentou entrar na minha mente, mas não cedi.

Dessa vez não.

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