Capítulo quatro.

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Roger.

Fiquei de marola pela sala conversando com meus pais por um tempo, matar a saudade que eu estava deles é essencial. Apesar de terem decidido me mandar pra São Paulo, eles sempre foram presentes na minha vida e hoje eu entendo bem a visão da minha mãe. Ela entrou pro tráfico contra a vontade do meu avô que também entrou pra profissão perigo contra a vontade da minha bisavó, então minha mãe quis quebrar esse ciclo comigo. Então a suposta gravidez da Alana e a desconfiança que o filho dela seria meu foi só um pretexto deles.

É, esse foi o caô... Eu com quinze anos, Alana com dezesseis, vários grau no baile, três olhadinha indecente, um segredo e já era. Três meses depois de umas ficadas as vezes no sigilo, a bomba estourou no meu colo, irmão... Tio PH brotou na minha mãe com sangue no olho atrás de mim e a demora foi só meu pai descobrir, aí eu levei uma coça dele e minha mãe falou um montão.

Desenrolado de um lado, desenrolo do outro, no fim das contas era alarme falso. Minha mãe não esperou nem o ano escolar acabar, ela ligou pra tia Jaque, contou a fofoca toda e me mandou pra lá de mala e cuia. Hoje nós ri da situação, mas na época foi foda!

Eles foram me atualizando das coisas que acontecem pelo Rio e um pouquinho da vida criminosa deles. Um dia desse quase dona Bárbara vai de ralo em confronto, é mole? Já falei um montão de vezes que não tem mais a necessidade de bater cabeça com tráfico, mas eles são teimosos demais.

Roger: Fica nessa daí e vão acabar que nem o vô e a vó e aí enterro duplo. - falei negando com a cabeça.

Poderosa: Não foi ninguém que matou, não teve esculacho com eles e pronto. Quer morte melhor que essa? Não ficou ninguém pra sofrer pelo outro.. Assim, nem ele ficou pra sofrer por ela e nem ela por ele.

Raro: Até hoje eu não acredito na forma que tudo aconteceu, eles tava bem, festão daqueles que ela sabia dar como ninguém e foram embora assim sem mais nem menos. - negou com a cabeça - Tem alguma coisa errada aí e ninguém quer dizer.

Roger: Lembro muito pouco de como que tudo aconteceu, só lembro de ver um caixão descendo atrás do outro no túmulo. - passei a mão no braço.

Poderosa: Meu avô naquele dia pintou o alfabeto todo, usou droga, bebeu pra caralho escondido da gente, aí infartou no hospital e a minha avó a gente descobriu que ela tinha arritmia cardíaca mexendo nas coisas dela. Tia Gabriela foi atrás do médico dela, o médico contou pra ela que minha avó sabia que tava doente fazia tempo. Só que ela nunca falou pra ninguém, é simples. - se sentou ao lado do meu pai - Aí encheu a cara também no dia, vê só...

Roger: Viveram bem. - sorri.

Poderosa: Viveram mesmo, o foda é a saudade que eles deixaram. Tropa dos maiores de sessenta deixou uma saudade imensa na gente que ficou. - abaixou o rosto por alguns segundos.

Depois dos meus bisavós, com o espaço de tempo de uma gestação, foi a vez da tia Baronesa fechar os olhos vítima de pneumonia. Depois foi só ladeira abaixo, tio Guto foi embora três anos e seis meses depois vítima de câncer no estômago, tio Barão vinte e quatro dias depois do tio Guto vítima de bala perdida, tia Yara foi dormir e não acordou mais ano passado, tia Karina foi embora vítima da covid-19 que pegou no próprio hospital e Marreta morreu vítima de câncer no pulmão e desse bonde a lenda é tia Jaqueline que segue vivíssima e esbanjando saúde. Bom, tem problema nos ossos, além de hipertensão, mas ainda é lúcida e faz as coisas dela normalmente.

Roger: Falando em avós, meu Falcão brabo como que tá?

Poderosa: Tá bem, falei com ele hoje e ele tá no Alemão, mas disse que vai pro Paraguai semana que vem, alguma coisa assim.

Roger: Porra, internacional o homem, tem que respeitar.

Raro: Depois que o PH foi pra Espanha pra dar um perdido na polícia, ele disse que também não ia ficar pra esperar os cara chegar nele. Bom, tem razão e antes da operação chegar lá tem que sair mesmo.

Roger: O que é um milagre ele querer sair daquele Alemão. Falando nele, quem que vai tomar conta lá?

Poderosa: Imperador. - deu uma pausa - Ele perguntou se eu não queria ir.

Raro: Óbvio que não, tá doida? - olhou pra ela - Não vou dormir sozinho nem em pensamento.

Poderosa: Quem te conhece, que te compre.

Raro: Então vai pô, vai pra mira dos cana, já tão sedento pra pegar a gente e o lado bom é que eu arrumo outra pra me esquentar no frio da noite depois.

Roger: Pai, a gente tá no Rio de Janeiro, quarenta graus sensação de sessenta e o toque da cadeia vem, viu?

Poderosa: Ele tá achando que eu presa, eu morri! - deu risada na ironia.

Raro: Meu quarto tem ar condicionado, trinta e um mil BTUs, paguei catorze mil nessa belezinha pra reclamar é do frio, ver minha pica se escondendo mermo. - falou olhando pra minha mãe que estava pensando se batia nele ou não. Eu ria pra caralho.

Poderosa: Tem nem vergonha nessa cara, tu tá velho Richard, se manca. - fez careta pra ele.

Roger: Vocês não tem jeito não. - falei ainda rindo.

Raro: Faz tempo!

[...]

A noite caiu, tomei um banho geladão no quintal pra não perder o costume e minha mãe já tinha passado ferro na minha camisa nova. Detalhe, a camisa é nova, mas ela passou ferro assim mesmo e ai de mim se reclamar, ela fala até amanhã de manhã.

Poderosa: Vai de preto, é mais fácil de se camuflar e essa camisa da Dolce e Gabbana tá linda demais.

Roger: Muito babona, Deus do céu. - sorri e beijei o rosto dela.

Poderosa: Eu podia ter cuidado mais de você, assim de pertinho, mas arreguei pra mim mesma com medo de perder o controle e te ver seguindo um caminho que não é maneiro. - acariciou meu rosto - Mas você tá aí, formado, tem sua profissão que é linda e eu sei que você se tornou um homem como o seu pai, seu avô e seu bisavô! Honre isso, meu filho e me perdoa por qualquer coisa.

Roger: A senhora é a melhor mãe do mundo, não tem com o quê se preocupar e quanto honrar os brabos, bom, pode deixar... Voltei querido por elas. - falei pra perturbar e dei risada quando ela bateu no meu braço.

Poderosa: Você não me apronte, não me chegue aqui com vagabunda Roger Murilo, se não eu quebro você na porrada.

Roger: Tá bom, Babi Poderosa. - enchi o rosto dela de beijo pra acabar com a fofoca.

Poderosa: Tu não vem de beijinho pra mudar o foco do meu aviso, eu tô te avisando que eu não quero você acoloiado com vagabunda. Eu não te criei pra te ver com qualquer uma, entendeu bem?

Roger: Entendi, mãe! Não tem caô, fica tranquila, tá bom?

Me despedi dela, do meu velho e do Poderosão que tava deitado no tapete felpudo da sala. Cachorro com uma vida boa melhor que essa, eu ainda tô pra ver. Guiei pra rua, me encontrei com o Rafinha, os moleque e nós foi pro baile.

Hoje nós é 4-4-2 equipe vida rasa, pô.

DO JEITO QUE A VIDA QUER 4Onde histórias criam vida. Descubra agora