102. immortal, immutable, unbreakable

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— pandora!

As vozes energéticas não eram mais que apitos aos ouvidos de Pandora. O sangue seco que cobria sua pele queimava ao mesmo tempo que curava algo muito profundo deixado em sua mente após os horrores do Inferno. A batalha parecia ter sido outra vida, um sonho distante e intangível. O novo poder que corria pelas suas veias e o sangue que manchava suas mãos eram as únicas provas de que aquilo realmente acontecera: ela havia subjugado o mais poderoso dos arcanjos. Havia roubado seu poder e conseguido um exército em troca de sua alma.

Mas, ainda mais que isso, ela havia tocado Michael. A Angemonium o matara, o matara, e então o trouxera de volta à vida. Exatamente como fazia em sua parcela de eternidade vivida no Inferno. Jamais sentira tamanho terror como quando aquele sangue esquentou suas mãos e aquele coração parou sob seus dedos.

Agora, ela escutava aquele coração bater. Acima dos burburinhos, acima de todos os ruídos, ela ouvia o bombear de sangue vindo do outro lado da sala. Ela se recusava a olhar, mas sabia que Michael estava parado em uma parede oposta a ela, mais afastado que qualquer outro. A separação era uma tortura agora que cada centímetro do seu corpo urgia por ter seu toque mais uma vez; agora que sua pele parecia se desfazer a cada minuto que passava longe dele.

A vida de Pandora estava soterrada de extremos, e ela detestava isso. Antes, era incapaz de pensar em tocá-lo, apavorada demais com a lembrança insistente do que fora forçada a fazer em sua morte. Agora, depois de concretizar seu maior pesadelo ao atravessar o peito de seu amado e vê-lo morrer e ressurgir em seus braços, a distância que antes a confortava era como veneno pairando no ar.

E então tudo o que ela ouvia era o palpitar daquele coração, desta vez ainda mais nítido. O som não havia aumentado, e muito menos a distância entre eles diminuído. Demorou até que a Angemonium enfim percebesse que as conversas agitadas tinham cessado, e que agora seus pais, Michael e os outros três arcanjos haviam caído em completo silêncio e imobilidade.

Sua visão pareceu entrar em foco, a imagem do sangue que salpicava seu corpo ainda bem gravada em sua mente. Ela ousou erguer o olhar das próprias mãos para as seis criaturas que mantinham seus olhos bem fixos nela.

— O que você acha? — Salatiel demandou, o queixo erguido. Devia estar se referindo à discussão acalorada que vinha tendo com Lilith e os irmãos, na qual Pandora falhara em prestar atenção.

As horas que se decorreram depois do conflito nas montanhas ainda eram uma incógnita. A Angemonium não se lembrava de nada que acontecera depois que Papa Legba os deixara, levando consigo o que restara do Chefe dos Arcanjos. Mal sabia como havia chegado à cobertura de Lilith, onde o que sobrou dos arcanjos se encontrava. Teriam voado até ali, ou apenas se materializado no prédio? Teria ela sido carregada, ou se locomovera por livre e espontânea vontade, guiada por uma forma de piloto automático?

— Sobre o quê? — Sua voz saiu baixa, monótona, muito divergente da gritaria que eram seus pensamentos.

Gabriel fechou as mãos diante do corpo.

— Estamos tentando decidir o que fazer com os anjos que tomaram o lado de nosso irmão, ao invés de fugir ou se aliar a nós — explicou, fitando-a de maneira terna. Pandora detestava aquela gota de compaixão que ameaçava surgir em seu âmago, mas não conseguia ignorar o fato de que o pai finalmente enfrentara aquele a quem fora leal sua existência inteira, aquele que arruinara a vida de Pandora antes mesmo que ela pudesse se defender, por ela.

Mas ainda era tarde demais, porque fora seu próprio pai quem permitira que sua vida fosse arruinada. Era tarde demais, porque ela aprendera a lutar por si mesma; porque morrera sem que ninguém lutasse por ela.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora