87. overwhelmed

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— pandora!

Ela não sabia ao certo quanto tempo havia ficado sentada naquele banco de areia. O vento jogava punhados de areia em direção ao seu rosto, e fazia suas madeixas ruivas se embaraçarem umas nas outras.

Era demais, apenas demais. Sua cabeça era uma disputa dolorosa de pensamentos e ideias, dividida entre duas consciências de duas Pandoras que viveram realidades diferentes. Não conseguia absorver tudo que vinha se acumulando: a traição de Lilith, a verdade sobre o Tempus Infinitum, as memórias perdidas no espaço-tempo, a volta de Satã, sua morte, sua ressurreição... parecia humanamente impossível lidar com tudo aquilo sem simplesmente desmoronar.

Não era humana, estava longe de ser, e ainda assim não acreditava que poderia escapar da própria ruína. Nem mesmo seus poderes extraordinários seriam capazes de acalmar sua mente em pedaços.

A Angemonium inspirou o ar seco, o coração batendo rápido contra seu peito. Parte sua, aquela que deveria ter sido apagada daquela realidade, encontrou uma paz silenciosa, reconhecendo ter atingido seu objetivo de reverter o Apocalipse. Não existia uma nuvem de radiação ao seu entorno, alterando o clima e causando mutações horrendas nos poucos seres vivos que tiveram o azar de sobreviver um ano depois bombas; não havia aquela energia sombria que apenas bilhões de mortes em massa eram capazes de causar.

Ela não conseguia evitar colocar a mão sobre o peito, sentindo os seios ainda intactos, e o pulsar do seu órgão vital contra a pele. Não conseguia evitar a ânsia frenética por passar a mãos pelas costelas, constatando que todas ainda estavam no lugar. Não conseguia se esquecer do som daquele estalo quando atingiu a mesa de altar, e o horror de sentir o próprio osso rasgar sua pele de dentro para fora.

E então aquela mão, vasculhando-a por dentro, violando-a ao seu bel prazer; aqueles olhos escuros como as sombras brilhando com perversidade, como se matá-la fosse um esporte para ele. Satã não parecera estar apenas se livrando de algo inconveniente, e sim se deliciando ao vê-la sofrer em suas mãos, quase como se a morte dela fosse um maldito fetiche realizado.

E então, o Inferno... Pandora vivera incontáveis momentos em que desejara morrer, porém nunca fora aquilo que tivera em mente. Pensava que teria paz, aninhada na escuridão fria, onde ninguém podia mais machucá-la, e onde ela não poderia mais machucar ninguém. Mas se enganara. Não era o descanso que esperara, em momento algum: era tormento eterno, caos atrás de caos; seu pior pesadelo, acontecendo diante si, de novo e de novo.

O sangue ficava sempre úmido, sempre quente, de modo que parecesse que o tempo nunca passava. Ela sentia-se congelada no mesmo instante para sempre: segundos se decorriam, mas eles nunca se tornavam minutos, e os minutos nunca se tornavam horas.

Mas agora ela sentia conforme o tempo passava, conseguia ver a lua movendo-se bem lentamente acima e conseguia sentir a diferença de temperatura entre cada lufada de ar.

Pior que os olhos obscuros, pior que o sangue, pior que tudo que já havia visto era a lembrança do olhar de Michael sobre ela. O choque de ser apunhalado, a acusação implícita no arquejo fraco sempre que puxava a lâmina para longe do pescoço. Pandora não suportava a ideia de machucá-lo, e não sabia se um dia superaria a visão do seu cadáver jazido diante si, morto por suas mãos amaldiçoadas.

Ela não sabia como o encararia, como conseguiria falar com ele, sem entrar em pânico. A híbrida sequer sabia se ele ainda guardava rancor pela sua última interação, e por ela ter arruinado seus planos de ser o Supremo ao revelar parte da verdade para as bruxas.

As bruxas... elas não se lembrariam de Pandora, não se lembrariam do que fizera e nem o porquê. Jane, Zoe, Madison... ninguém. Aquela vida fora apagada, assim como sua relação com elas — assim como suas mortes.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora