— michael!
Pandora estava em silêncio, encolhida na extremidade do sofá mais distante. Os olhos estavam fixos a televisão adiante, onde um daqueles filmes de comédia besteirol que ela costumava ver para se acalmar passava. Depois de despejar sobre ele sua sede por sangue e justiça, toda aquela euforia pareceu deixá-la com suas palavras, como um peso a abandonando agora que tinha com quem compartilhá-lo. Ela sabia que ele estava do seu lado, que seguiria com ela até os confins inexplorados do próprio Inferno, e que agora não precisava nunca mais se preocupar com sua lealdade.
Michael mantinha a caderneta com ele, receoso em relação ao seu conteúdo. A apoiaria em qualquer ideia que pudesse estar rabiscada ali, por mais insana que pudesse soar a ouvidos alheios. A híbrida precisava de um aliado naquele momento, um amigo, acima de tudo, e o rapaz faria de tudo para ser aquilo que ninguém nunca foi para ela: alguém que ficou.
Ele abriu o caderno lentamente, deparando-se com a primeira página. A folha não era pautada, então tudo escrito ali estava de maneira livre e desordenada, mais como um redemoinho de palavras do que pensamentos lineares. Uma boa maneira de tentar representar pensamentos conflitantes, ele imaginou.
De algumas palavras, ela puxava setas tortas, apontando para pequenas frases explicativas ou apenas alguns rabiscos que poderiam ser palavras escritas em um garrancho ilegível. Michael tentava entender tudo, absorver aqueles sentimentos confusos transcritos ali com tanta transparência.
Algumas partes estavam riscadas, como se ela as desconsiderasse logo depois de escrevê-las. Existia muito rancor e medo naquelas folhas, vindos de uma mente assustada e despedaçada: ora, palavras de ódio e promessas de vingança cobriam a superfície do papel; ora, ela discorria o pavor que a permeava a cada segundo. Queria matar aqueles que haviam errado com ela, despedaçá-los das inúmeras maneiras criativas e dolorosas transcritas naquele caderno, mas também temia o quão fundo era aquele buraco que cavava para si mesma. Ela desejava justiça, mas não sabia como alcançá-la, nem por onde começar, ou o que fazer depois que a tivesse; não era muito diferente da maneira que o Anticristo se sentia.
Havia passagens onde ela apenas repetia as mesmas palavras, de novo e de novo, como um mantra assustador. O diário continha uma página dedicada unicamente ao nome dele, escrito em letras, maneiras e tamanhos diferentes. Em outras, ela pedia perdão várias vezes, mas seu pedido de desculpas não possuía remetente.
Além da fúria e do medo, havia a dúvida. Não era difícil encontrar passagens inteiras em que a híbrida questionasse a própria existência, e a realidade à sua volta, descrente de que estava mesmo fora do seu tormento infernal.
Ao chegar na última folha com algum conteúdo, o Langdon fechou o diário. Ele suspirou, o olhar recaindo sobre a Angemonium adiante, cuja atenção permanecia sobre a televisão.
— Há muita raiva aqui... — ele observou.
— Não brinca, Sherlock — a híbrida retorquiu, sem desviar os olhos do seu filme.
Michael teve de morder a língua para evitar um comentário cretino. Não era do que ela precisava naquele momento.
— O que quero dizer é que, mesmo que haja muita raiva, não sinto que ela esteja exatamente bem direcionada. — Ele abriu o livro em uma passagem em específico, onde ela descrevia em detalhes seu ódio pelo Rei do Inferno. — Você fala muito sobre vingança, mas em momento algum pensa em como irá consegui-la. Que Satã precisa cair, todos sabemos, mas como é a verdadeira pergunta aqui, e nada nessas páginas serve como resposta.
Pela primeira vez, Pandora se virou em sua direção. Os olhos brilharam com interesse e ela mordeu o interior da bochecha.
— Não tenho ideia de por onde começar, nenhuma. — Não havia nada além de sinceridade pura naquelas palavras suspiradas. — Sim, quero fazê-lo sofrer, mas, acima de tudo, quero poder apenas... viver minha vida, sabe? Sem me preocupar com seres milenares tentando moldar meu próprio destino por mim, tentando me separar de você.
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ME AND THE DEVIL ➸ michael langdon
FanfictionPandora Williams sempre odiou sua vida. Abandonada pela mãe com o pai misterioso que nunca fala sobre seu passado, ela jamais entendeu o que significa pertencer; se encaixar. Jamais teve um propósito. Em um dia que deveria ser tão normal quanto todo...