77. tempus infinitum

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— pandora!

11 de Fevereiro, 2018

Seis meses antes, Pandora acreditara ter chegado ao auge de sua miséria. Recém-descoberta como uma criatura única na Terra, poderosa demais para o pouco preparo que tinha, ela permitira-se titubear na linha tênue entre a razão e aquele vazio que ameaçava dominá-la. Sentira-se sozinha, rejeitada, abominável e indigna, como se jamais fosse encontrar sentido na razão para sua existência desprezível. Ela odiara a ideia de que jamais compreenderia alguém na vida de fato, e que jamais seria compreendida de volta. Apesar de ela não ser humana, uma coisa sobre a natureza dessa espécie parecia presente em todas criaturas racionais, do divino ao infernal: o "humano" é um animal político, que urge pelo contato social com outro ser pensante, que precisa da noção de pertencer a algum lugar para poder encontrar felicidade.

Sendo o exemplar exclusivo de sua espécie — uma híbrida entre um anjo e um demônio, cuja definição ela sequer sabia se existia —, a Williams nunca soubera o que significava se encaixar.

Então, ela conhecera Michael. Nada jamais parecera tão certo quanto era quando estava com ele. Sua magia, que sempre a fazia se sentir um farol incandescente que cegava todos por perto, ao lado do poder do Anticristo ganhava um aspecto natural, quase fluído. A assinatura de energia que ele emitia era tão alta quanto a dela, e ter aquela força à sua volta a confortava; ter alguém para compartilhar da mesma dor de solidão que ela também a confortava.  Os dois seres mais poderosos no mundo, nada mais que crianças perdidas e quebradas que nunca acharam amor e compreensão, até enfim se encontrarem pelo acaso.

E Pandora conseguira destruir isso antes mesmo de começar.

Para cruzar seu caminho com o dele pela primeira vez, quando nada não passava de uma missão, a Williams vestira uma máscara, a máscara da pessoa que desejava ser, a pessoa que seria se não estivesse tão vazia, partida e infeliz. Antes que pudesse se dar conta, seu tempo com Michael fizera com que gradativamente se tornasse essa pessoa, o Langdon transmitindo a ela a coragem e confiança necessárias para se libertar das amarras que suas próprias inseguranças a impunham. Agora, essa melhor versão de si mesma era afogada pela devastação de ter perdido o que a mantinha em pé e pela culpa de ter machucado quem mais amava.

A pessoa que fora no elevador do Arcand Resort, se defendendo contra atitudes que não deveriam jamais ser toleradas, usando daquele poder tenebroso para seu bem; a pessoa que fora quando roubou toda a atenção de centenas de celebridades ao lado do Anticristo, em uma festa de Ano Novo; a pessoa que fora quando se permitira subir em um palco na beira da praia e cantar desafinadamente para uma multidão, sem medo da vergonha... Pandora sentiria falta dessa pessoa.

Porque, verdade fosse dita, fora tudo emprestado. Tempo emprestado, felicidade emprestada, amor emprestado... nada mais que uma ilusão momentânea.

Pandora estivera no fundo do poço antes, passara sua vida toda afundando-se nele, o problema era que, agora que havia estado no topo do mundo, ela cometera o erro de acostumar-se à superfície. Então, de volta ao poço, ela já não sabia mais como lidar com o silêncio e a escuridão ao qual havia se habituado por anos, pois se deixara encantar pela luz que havia no outro lado.

Talvez fosse melhor assim. Um monstro aprisionado nas profundezas, intocado e solitário; longe de qualquer forma de vida que pudesse machucar.

Pandora não se perdoaria por ter perdido Michael.

Ela não se perdoaria por ter fracassado.

De volta à academia, era como se estivesse vivendo um funeral. Todas as bruxas sabiam do futuro aterrorizante que as aguardava, assim como sabiam que seu novo Supremo era o Anticristo, e isso fazia com que agissem como se estivessem em um luto prévio pelas próprias vidas. Desde que voltara e ganhara um quarto novo e individual como membro honorário do conselho das bruxas, Pandora apenas pisava fora do cômodo para uma refeição por dia, geralmente depois que quase todo mundo já havia terminado de comer. Só as bruxas do conselho conheciam a verdade — ou pelo menos a verdade que a adolescente as contou — sobre sua missão; só elas sabiam do seu fracasso. Mesmo assim, ela não conseguia olhar nos olhos de nenhuma de suas colegas sabendo que estivera dividindo a cama com aquele que jurara matá-las; sabendo que morreriam por culpa do seu orgulho e irresponsabilidade.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora