62. the tip of the iceberg

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— pandora!

Pandora sentia-se realizada.

Havia muito tempo que tinha prometido a si mesma que algum dia ela revidaria. Algum dia não aceitaria aqueles malditos comentários, responsáveis pela falta de confiança que ela sentia ao sair do quarto com uma roupa que não fosse um moletom ou uma blusa larga. Jamais tivera nenhum problema com seu corpo, exceto pelo fato de suas coxas serem sempre um farol para todos os homens a um quilômetro de distância.

Homens — héteros cis, em específico — eram criaturas selvagens e sem discernimento algum criadas acreditando que mulheres eram apenas objetos sexuais à sua disposição. Eles cresceram achando que assédio sexual era simplesmente "flertar" e que toda mulher que fosse minimamente simpática estava louca para transar.

Sim, a adolescente reconhecia que a maior culpa naquilo era da sociedade patriarcal estabelecida no ocidente ao longo dos últimos séculos. No entanto, a sociedade estava mudando. E, se havia no mundo homens desligados dessa cultura misógina, como Josh e Michael, que jamais a fizeram se sentir desconfortável, os outros não tinham desculpa alguma para continuar agindo como porcos asquerosos.

Aquele rapaz embriagado no elevador agira como um. Um jovem claramente bem de vida, hóspede de um resort cinco estrelas de luxo, com acesso suficiente a informação para saber que o que fazia era errado — bêbado ou não. Por esse motivo, Pandora não sentiu culpa pelo que fez.

No momento, ela pouco se importara se Michael presenciaria a cena — que ele acreditasse no que quisesse! A jovem estava irada, transbordando com a indignação por tudo aquilo já havia vivenciado; por tudo que todas as mulheres ainda vivenciaram em suas vidas. Talvez por estar tão próxima ao poder do Anticristo, sua magia acabou por instigar a dela, pedir que saísse.

Ela não poderia matar o quarteto no elevador. Apesar da câmera de segurança, ela tinha certeza de que os seguidores de Michael dariam um jeito de sumir com todas as evidências. O problema era o próprio Langdon, que simplesmente não poderia ver aquele lado seu — não quando ela ainda conquistava sua confiança aos poucos.

Então, a adolescente contentara-se em colocar uma breve imagem nas cabeças dos garotos — a imagem do que queria fazer com eles. Como esperara, suas mentes fracas e covardes não aguentaram nem mesmo um terço.

Apesar de não ter reparado todos os danos causados pela masculinidade tóxica na sociedade, uma pequena parte de Pandora enfim aquietou-se ao ver o terror brilhar nas orbes daqueles meninos. Ela usara aquela confiança que tanto almejara e não se sentira esgotada depois, ou inclinada a se esconder de novo. Porque, daquela vez, sua segurança em si mesma não fora uma encenação.

Como receara, Michael havia sentido sua demonstração de poder, mesmo que tivesse tentado mantê-la longe de seu alcance. A Williams não dissera nada que pudesse incriminá-la e, até onde sabia, o Anticristo acreditava que ela não tinha conhecimento de seus poderes. Era tão estranha a forma como um ser, que deveria ser o portador de todo o mal, poderia ser tão ingênuo. Chegava a ser doloroso e repulsivo pensar em todos que já haviam tirado proveito disso — e que ela era um deles.

Assegurar-se que tudo o que fazia era parte de um propósito maior havia se tornado um mantra diário. Aquela era a sua maneira de dizer que os fins justificavam os meios, ainda que ela sentisse um ódio vindo das profundezas de sua alma por tal afirmação.

Não apenas sete bilhões de vidas seriam salvas caso Pandora obtivesse sucesso, como ela teria a oportunidade de esfregar na cara do arcanjo Michael que não precisara agir como seu peão para evitar o Apocalipse. A híbrida daria tudo para ver a expressão de assombro em seu rosto angelical quando descobrisse.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora