78. traitor

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— pandora!

Aquela era a primeira vez que tinha um contato tão próximo com a natureza desde a vez que pulverizara uma floresta para fugir de seus sequestradores, e Pandora poderia dizer com certeza que odiava. Talvez a sua angústia interna estivesse dando um aspecto negativo a tudo à sua volta, mas ela podia garantir que a umidade e os crocodilos que as observavam na surdina não contribuíam para a experiência.

Parara de chorar havia um tempo, tendo de mergulhar naquela calmaria silenciosa e vazia que existia dentro de si para impedir que acabasse se permitindo virar comida das criaturas que viviam sob a água lamacenta. Precisava manter-se estável, manter-se bem, ou não seria útil para ninguém além dos mosquitos que se alimentavam do seu sangue aos montes.

Soubera que as bruxas estariam condenadas desde o começo, e mesmo assim não conseguia aceitar a dura realidade de que elas foram mortas pelo braço direito de alguém que tanto amara.

Alguém que, apesar de tudo, ainda amava.

— Estamos mesmo seguras aqui? — inquiriu, passando as mãos nervosas pelos braços. Seu estômago doía depois de ter vomitado duas vezes no pântano. Ela era grata à goma de mascar que Madison tirara do bolso de sua jaqueta por ter tirado o gosto azedo de sua boca.

A Montgomery anuiu.

— A cabana da Bruxa do Pântano pode ser uma pocilga, mas pelo menos é isolada.

— A única pessoa que conhece aqui é a querida Misty Day, e ela está viajando pelo mundo com Stevie Nicks — Myrtle informou, passando as mãos no cabelo de Cordelia, a fim de confortá-la em seu estado de choque.

Se Pandora não estivesse tão atordoada quanto a Suprema, teria soltado uma exclamação diante da menção ao nome da cantora que costumava ouvir quando mais nova.

— Está na hora — a Goode anunciou, dando um toque gentil no braço de Myrtle para indicar que podia soltá-la. A mulher o fez lentamente, não deixando de analisá-la com cautela.

— Acha que consegue, Delia?

A bruxa aquiesceu, seguindo até a cama no canto do chalé, tão pequeno que não havia distinção entre sala, cozinha e quarto. A madeira pútrida estalou sob seus sapatos, e as molas do colchão rangeram quando ela deitou sobre ele.

Pandora tomou um longo fôlego, precisando reunir uma quantidade considerável de coragem para sugerir:

— Talvez eu devesse ir também. — Aproximou-se da bruxa, as extremidades formigando. Ela não estava pronta, mas o universo já havia demonstrado que pouco se importava com seu preparo. — Posso tentar trazer algumas delas de volta, para você não se sobrecarregar.

Não conseguia associar a pessoa que amava ao monstro que matara garotas inocentes em prol de uma vingança mesquinha contra a Suprema. Precisava ver com os próprios olhos o que Michael havia feito, ou jamais conseguiria digerir aquilo.

Uma parte bastante sensível e irracional sua desejou que ele ainda estivesse lá, que pudesse falar com ele uma última vez, nem que fosse para gritar com ele. Mesmo depois da briga que tiveram, de todas as palavras cuspidas e despejadas, ainda havia muito que precisava ser dito, desta vez por Pandora.

Ela tomou um lugar no chão diante à cama, ajeitando-se sobre o piso podre. O cheiro de madeira molhada era quase o suficiente para fazê-la vomitar uma terceira vez. Fechou os olhos, cruzando os braços em formato de "x", permitindo que seu espírito vagasse para longe do seu corpo. Já havia praticado projeção astral algumas vezes, quando usava do seu tempo livre na Robichaux para aprender de forma independente o máximo que podia sobre magia, portanto já não era uma dificuldade muito grande.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora