92. a game of blood and lies

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— michael!

— Uno! — Michael anunciou, atirando um 5 verde sobre o monte.

Pandora, por sua vez, não teve a reação que ele esperava — uma careta acompanhada de um grunhido descontente. Ao invés disso, ela ergueu o olhar das suas cartas para ele, a sobrancelha se arqueando com diversão.

— Acho que não, Devil Jr. — Ela praticamente bateu sua carta no monte: a mais temida delas, um +4. — Uno.

O Anticristo xingou baixinho, comprando quatro cartas.

— Qual cor?

— Vermelho.

Nenhuma das suas cartas tinha essa cor.

— Droga.

Ela alegremente jogou um 7 vermelho sobre a mesa.

— Ganhei! — Não foi a comemoração de sempre, repleta de gritinhos entusiasmados, provocações infantis e gargalhadas, mas o brilho triunfante em seus olhos dizia o suficiente.

Nos últimos dois dias, Michael aprendera a aproveitar toda migalha que poderia quando se tratava da Angemonium. Seu humor era instável, e nem mesmo seus maiores cuidados eram o suficiente para impedir eventuais picos de humor. Os dois se viam duas ou três vezes ao dia no máximo, geralmente por volta das refeições: jogavam algo conforme esperavam pelos pedidos de comida, se alimentavam e então conversavam entre si até Pandora atingir o seu limite — o que não demorava muito para acontecer. Diferente da primeira vez, a híbrida começara a avisar quando o desconforto se iniciava, e não se obrigava a aguentar mais do que suportava apenas para esticar um bom momento.

No geral, era uma boa rotina. Depois de perdê-la duas vezes, o Langdon descobrira que estava disposto a aceitar toda e qualquer condição que a jovem tivesse para estar ao seu lado. Ele sabia que não suportaria uma terceira.

Mal suportara a segunda.

Pandora juntou as cartas em um monte e o bateu na mesa duas vezes, por fim guardou-o na caixa vermelha do jogo. O almoço chegaria em breve, era mesmo melhor já deixar a mesa arrumada.

— Michael — chamou, os olhos perdidos na pequena caixa que girava despreocupadamente sobre a mesa.

— Sim? — O Anticristo ergueu a sobrancelha.

Ela empurrou o objeto para o lado, levantando o olhar.

— Estou muito curiosa em relação a algo... — Inclinou a cabeça, enrolando as palavras como se estivesse com medo de dizê-las. Michael fez um movimento leve com a mão, encorajando-a a expressar o que queria. — Tipo, na primeira vez que tudo aconteceu, você viveu três anos a mais que eu... como foi?

Michael descobrira recentemente que Pandora havia passado de 2018 a 2021 enterrada em um pântano com propriedades de cura, motivo para ela, e as bruxas que ele não conseguia deixar de odiar, terem sobrevivido ao ataque nuclear. Fizera mais sentido do que esperara: jamais sentira sua morte, mas também não conseguia sentir sua energia em lugar nenhum, pois estava adormecida por anos.

— Os dois primeiros anos foram fáceis — ele admitiu, apoiando o cotovelo sobre a mesa. — Depois que abri mão da minha humanidade, assumi integralmente meu papel como Anticristo: eu usava todo pouco tempo livre que tinha para planejar e ansiar pelo Apocalipse, não dava espaço para pensar em outras coisas, como... — Suspirou, irritado com as palavras que ruminavam em seu interior; o sentimento amargo. Não queria externá-las, mas havia concordado em ter uma relação transparente com Pandora. — Como a sua traição.

Ela assentiu, pesarosa. Compreendendo-o, sem enraivecer-se pelo que dissera.

— Desculpe — pediu em um sussurro.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora