106. empire

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— pandora!

Na primeira vez que visitara a mansão de Lilith, os pensamentos de Pandora eram uma espiral sufocante que a puxavam para longe da realidade. Agora, sua mente não era mais que um poço vazio. Não havia palavras, imagens, sons... nada. Era apenas aquele aperto em seu peito, a vontade de vomitar o ácido que corroía seu estômago. Ela queria estar com raiva, queria jogar todo o seu foco encima do ressentimento que nutrira pela mãe, mas como poderia? Aquela filha da puta mentirosa havia falado a verdade por conta própria pela primeira vez na vida, e destruíra quaisquer argumentos que Pandora poderia ter contra ela.

Seus pais fizeram tudo para protegê-la de Satã, mesmo sabendo que o preço que pagariam seria seu ódio. E Gabriel morrera antes que ela pudesse aprender a perdoá-lo.

Diante do diário aberto, a caneta trêmula em sua mão, a Angemonium encarava a página em branco com os olhos embaçados. Desejava tê-lo com ela, desejava sangrar através da tinta como fizera inúmeras vezes naquele caderno, mas simplesmente não havia o que ser desabafado. Não eram pensamentos confusos que precisavam ser externados e destrinchados para que ela pudesse entendê-los. Era apenas uma imensidão paralisante e sufocante de culpa.

Ela derrubou a caneta sobre o diário com frustração. Fechou as mãos em punhos, as palmas ansiando pelo conforto de suas unhas pontiagudas. Precisava liberar aquela carga de alguma forma, e a dor era a maneira mais fácil.

Suspirou sentido a perfuração, sentindo aqueles oito pontos irradiando dor pela sua mão inteira. Não ajudava tanto quanto um dia ajudara, ela precisaria de mais.

Olhou para trás, encontrando as costas de Michael. Uma figura sólida contra a luz prateada da lua-cheia. Ele estava de pé na pequena sacada do quarto, ainda vestindo a sua armadura. Sua postura era ereta, seu corpo preso naquela imobilidade sobrenatural que aprendera ao longo dos anos. Ainda que não a visse, Pandora tinha plena consciência de que ele sabia o que ela fazia a si mesma naquele instante.

Ela afrouxou o aperto antes que pudesse tirar sangue de si mesma. Inspirou e expirou algumas vezes, abrindo as mãos de vez. Aquele caminho era perigoso demais para ela traçar, Michael havia dito. E ele estava certo. Dor não era um remédio, dor não era cura. Dor era uma droga: poderia até trazer certo alívio a curto-prazo, mas a cada vez que se deliciava com ela, um pouco de si mesma era perdido. Antes que percebesse, a dor seria a barra da jaula que seu vício se tornaria.

E Pandora não se permitiria ser aprisionada de novo.

A híbrida colocou-se de pé, deixando o diário para trás. Ela caminhou até o Anticristo, parando ao seu lado. Adiante, o mar era um véu negro sobre o mundo. À noite, ele não era mais que um pequeno pedaço do céu se desmanchando contra a areia.

Sem dizer uma palavra, Michael segurou sua mão. Ao invés de entrelaçar seus dedos, ele a ergueu e virou sua palma para cima, depositando um beijo sobre as marcas avermelhadas que ela ainda não apagara com seus poderes de cura. Em seguida, fez o mesmo com a outra mão. Qualquer resquício do que havia feito desapareceu.

Quando o olhar dele encontrou o dela, os olhos de Pandora já estavam cheios de lágrimas. O Anticristo levou a mão ao seu rosto, afagando sua bochecha.

— Do que precisa? — Nenhuma reprimenda, nenhuma decepção em seus olhos. Mesmo quando descobrira o que a jovem fazia, ainda na Murder House, Michael jamais a fizera se sentir envergonhada. Ele estivera pronto para levar a culpa por quaisquer coisas que a estivessem atormentando, sem saber que era uma das únicas coisas que a mantinham de pé.

Mas agora o rapaz sabia melhor. Agora ele entendia melhor. Porque agora não havia mais segredos entre eles.

— Eu não sei — respondeu, a voz rouca. Não aguentava mais chorar, mas não conseguiria evitar que aquelas lágrimas fossem derramadas por muito tempo.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora