90. scarred soul

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— michael!

Tudo era confuso.

Michael não sabia dizer onde uma consciência terminava e a outra começava. A mente estava em uma constante batalha, dividida em dois lados diferentes entre si. A verdade era horrível, assim como Pandora afirmara, e dolorosa também, não apenas fisicamente.

Era sombria a realidade daquela outra vida que vivera, onde não tivera a Angemonium ao seu lado a tempo de impedi-lo sucumbir à escuridão. Todos o haviam deixado, todos, até mesmo Ben. Ele apenas encontrara conforto em Mead, a única que não o repreendia pela sua maldade e não o julgava por ser quem era, mas ela fora tirada dele eventualmente, como tudo era.

E então, viera ela. Com um poder magnífico, uma aura hipnotizante e uma beleza simplesmente surreal, Pandora derrubara todas as suas defesas, abalando a sua estrutura como um terremoto da mais alta magnitude. Diferente de todos, ela o entendia, o entendia por completo. Michael e Anticristo; o garoto perdido e carente, e o demônio criado apenas para destruir o mundo. A híbrida sabia que eram complementares, e que não podia escolher conviver com um e ignorar o outro.

O Langdon jamais se sentira como com ela. O sentimento era reconfortante, como uma fogueira em uma noite de nevasca. Ele não temia quando estava ao lado dela, não havia o que temer: Pandora fora a luz nas trevas que era sua vida.

Descobrir que tudo não passara de uma missão estilhaçara todos os pedaços que ela havia juntado dele. A esperança infantil que criara, de que poderia escapar daquele mal em si, se desmanchara diante dos seus olhos como um castelo de cartas que desmoronava após a última carta. Não havia maneira de lidar com aquela dor, e ele não queria ter de lidar com ela.

Por isso, quando se viu diante do propósito para o qual nascera, desprendera-se dos sentimentos que o atrasavam, colocando o controle de suas ações na mão daquela sua parte que jamais teria uma fraqueza estúpida como amor. Michael entregara-se ao que por muito tempo fora seu pior medo, incapaz de lidar com a traição daquela que nunca superaria perder.

Entretanto, depois de três anos remoendo aquela mágoa, três anos buscando por alguém que não deveria mais amar, três anos vivendo a vida mais miserável que poderia viver, Pandora aparecera mais uma vez para virar toda a sua existência de cabeça para baixo. A humanidade da qual achara ter se livrado ganhara voz em seu ser mais uma vez, instigada pela presença dela, e a força daquele pedaço de sua alma que Pandora havia levado com ela.

Por muito tempo, o Anticristo acreditara de forma veemente que a jovem não tinha nenhum tipo de afeição por ele, e todo momento em que parecera se importar na verdade fora uma encenação muito bem trabalhada. Entretanto, ao encontrá-la em meio àquela água escura e ensanguentada, quase morta depois de partir o próprio Tempo, toda sua crença caíra por terra.

Ela não voltara para salvar o mundo de Michael, e sim para salvar Michael do mundo.

Mesmo depois de ter dado todos os motivos possíveis para que ela o odiasse, para que o quisesse morto, Pandora ainda acreditava que ele merecia ser salvo. E ela o salvara.

Se não fosse pela Angemonium, Michael estaria novamente forçado a seguir aquela jornada rumo a um destino infeliz. Agora que tinha de volta suas memórias sobre aquela época apagada da realidade, lembrava-se vividamente dos anos que vivera depois de descobrir sua traição: não era nada mais que uma casca oca, vazio e sozinho. Quando as bombas vieram, e ele acreditara que poderia enfim ser feliz — já que seu destino havia sido concluído —, descobrira uma nova forma de morbidez.

Tudo era entediante no Fim do Mundo. A comida não perecível era horrorosa, as pessoas eram dolorosamente desinteressantes e, uma vez que tinha atingido seu propósito, não havia muito pelo que ansiar. Sua função ali já tinha sido cumprida, e ele não tinha mais objetivo algum na Terra.

ME AND THE DEVIL ➸ michael langdonOnde histórias criam vida. Descubra agora