Capítulo 70

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Christopher foi para o banheiro e eu me deitei na cama ainda de vestido e sandália. Adormeci antes mesmo de ele sair de lá. Senti quando ele tirou minha sandália e meu vestido e depois colocou uma camisola em mim, mas eu estava com tanto sono que me recusei a acordar por completo. Ainda bem que ele não era o tipo de cara que se aproveitava. O edredom quentinho em cima de mim me fez apagar de vez.

— Boa noite menina. — Ouvi um sussurro longe e senti os lábios dele em minha bochecha.

Christopher tinha mania de ficar me olhando dormir. Já acordei diversas vezes com ele deitado de frente para mim enquanto me olhava de perto. Cheguei até a dizer que algum dia ele me mataria de susto. Não é comum acordar com um par de olhos à sua frente iluminados apenas pela luz da lua no meio da noite.

— Chris?

Eu o chamei com a voz abafada pelo travesseiro. Olhei para o lado e vi que estava sozinha. Me levantei e fui até o banheiro, mas ele também não estava.

Peguei um sobretudo e saí do quarto. Demorou alguns segundos até eu reconhecer o lugar. Dobrei o corredor à esquerda e fui até a sala. Estava tudo tão igual. Idêntico ao que eu havia deixado. Os vários retratos na estante, a poltrona onde meu pai assistia jornal, a TV, o tapete, as cortinas.

Ouvi um barulho na cozinha e fui até lá, de repente o cheiro de café novo invadiu minhas narinas. Olhei para porta dos fundos e por ela entrou meu pai.

Ele parecia tão mais velho mas ele parecia tão feliz.

— Até que em fim, acordou. Pensei que iria perder a hora.

— Papai?

— Sim? Estou acabando de fazer o café. O que quer comer?

— Ainda é noite, por que está fazendo café?

— Não é noite querida, está amanhecendo.

Então olhei pela janela e os primeiros raios solares estavam aparecendo. A lua havia desaparecido.

— O que eu estou fazendo aqui? Como eu...

— Como assim filha?

— Não, isso não é real. — Recuei e bati em algo maciço. Saltei para o lado e me olhei. Lá estava eu, ou alguém idêntico a mim bem na minha frente.

— Ainda não é real. — Me dei conta do quão irritante era minha voz quando ouvi meu outro eu dizer.

— Isso não é real. Onde eu estou? Cadê o Chris?

— Como cadê o Chris? Você o deixou, nós o deixamos. — Ela se sentou à mesa e meu pai a serviu de uma boa xícara de café.

— Eu jamais o deixaria.

— Pobre Dulce, ainda é tão cedo. Enfim, vamos nos atrasar, se arruma. A faculdade começa às sete e meia, e é um pouco longe.

— Não! — Gritei fechando meus olhos.

— Dulce? — Ouvi a voz de Christopher e algo balançar meu corpo.

— Não é real, não é real. — Repito me recusando a abrir os olhos.

— Menina, está tudo bem, foi só um pesadelo. — Christopher me puxou para seus braços e eu me pus a chorar. — Tudo bem amor, tudo bem, já passou.

— Não me deixa ir, por favor. — Abri meus olhos e o vi. Ele estava ali, era só um pesadelo.

— Não meu amor, eu não vou. Você está segura comigo. Shh... — Christopher acariciava minhas costas enquanto eu chorava.

Poucos minutos depois eu estava no banheiro colocando tudo para fora. Bem dizia meu pai: não durma de barriga cheia, pode ter pesadelos. Poderia ter pesadelo pior que estar longe de alguém que se ama?

No dia seguinte eu estava grudada a Christopher e ele estava imobilizado em baixo de mim. Eu não queria deixa-lo. Queria tê-lo comigo para sempre.

— Está melhor?

— Sim. — Soltei-o sem graça e me arrumei na cama. — Desculpa por aquilo.

— Foi tão ruim assim? — Assenti. — Você quer me contar? Pode ajudar você.

— Deixa para lá. Só cumpra sua promessa.

— De que promessa está falando?

— Não me deixa ir embora. — Acariciei o rosto dele.

— Por que motivo acha que eu deixaria? — Sorri.

— Eu te amo tanto, que chega a doer.

— Então deixa eu curar sua dor.

— Vem aqui então. — Puxei-o para cima de mim e ele me beijou. — Eu quero você dentro de mim, agora.

Christopher deu uma gargalhada gostosa e eu não me segurei. Me repreendi mentalmente por dizer isto.

O passeio no outro parque durou bem menos já que tínhamos que voltar para São Francisco e Christopher não queria chegar tarde. Ele estava cheio de trabalho em casa, mas deixou de fazer para passar o fim de semana comigo, então nem reclamei.

Ainda tive que aturar os gritos de Ivalú quando contei a ela sobre meu fim de semana mágico e ela ficou maravilhada com as fotos.

— Vocês dois deveriam ir. Sério, é muito bom.

— Não é apenas ir Dulce, não temos tanto dinheiro assim, e o hotel deve ser bem caro.

— Acha-se hotéis bons e baratos, mas se esse é o problema, eu posso pedir ao Christopher a casa emprestada. Não é tão longe assim. Só ficamos no hotel para ficarmos realmente perto, coisas do senhor Uckermann.

— Não sei. Vamos dar uma olhada. — Ela foi em direção ao banheiro. — Vamos sair, você não quer vir?

— Onde vão?

— Comer algo e dar uma volta, não nessa ordem.

— Ann, não, vão vocês. Estou cansada, vou tomar um banho e ir dormir.

— Então tá. Você quer que a gente traga comida?

— Não, não. Eu vou pedir algo por telefone, realmente estou cansada e quero dormir cedo.

— Ok. Vou tomar banho.

Assenti e voltei a olhar as fotos. Minha preferida foi uma em que nós estávamos com as orelhas da Minnie e do Mickey e Christopher segurava meu queixo enquanto me dava uma mordida na bochecha e eu fazia careta. Saiu tão espontânea e tão bonita. Eu queria revela-la e colar em todos os cantos, mas infelizmente eu não podia fazer isso.

Estava cada vez mais difícil guardar esse segredo e era quase impossível não olhar para ele com tanto amor e carinho nos dias que se seguiram. O sorriso dele pela manhã era o suficiente para me deixar o restante do dia bem-humorada.

— Dá para deixarem menos na cara?

Ivalú disse um dia quando um grupo de adolescentes olhou para nós dois. De certo eu estava com a cara mais abobada do mundo olhando para ele.

Mas nem tudo são flores. Não para sempre e tive a prova disso em um dia quando fiquei sozinha no quarto antes de descer para o café.

Enfiaram um envelope direcionado ao meu nome em baixo da porta. De primeiro sorri, pensando que Christopher deixara um de seus cartões que aliás, fazia muito tempo que eu não recebia, mas quando eu vi o conteúdo de dentro meu mundo desabou. Fotos e mais fotos de nós dois. No carro, em um restaurante, em uma lanchonete ou se beijando em um parque, mas nada se comparou a uma foto em que ambos estávamos nus nos beijando e nos amando. Reconheci o local de imediato. A cabana no dia do acampamento.

Com as mãos trêmulas peguei um papel dobrado no meio das fotos e dentro dele havia uma mensagem impressa.

Abri a porta correndo para ver se encontrava alguém, mas o corredor estava vazio. Li e reli a carta diversas vezes antes de enfim criar coragem de ir para a aula. Eu não poderia deixar isso acontecer. Eu descobriria quem havia feito isso e tudo se resolveria.

[REVISÃO] Intercâmbio (Vondy)Onde histórias criam vida. Descubra agora