82.

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-A pipoca está pronta! -A Júlia entrou na sala e eu fiz uma cara de alívio. Ela não entendeu nada e deu de ombros.

-Até que enfim! Achei que tinha ido colher o milho. -O Gustavo disse ajudando a Júlia com os potes de pipoca.

O Zack me abraçou por trás e andamos abraçados até a sala. Ele sentou no sofá e eu sentei do lado dele. Quando estávamos todos acomodados, meu irmão deu play no filme e apagou todas as luzes.

Deitei em seu ombro e ele fez cafuné na minha cabeça. Os primeiros a pararem de prestar atenção no filme foram a Júlia e o Gustavo. Em seguida meu irmão e a Karina. 

-Ah, que se dane o filme. -O  Zack falou tirando seu braço de mim e me virou para ele. Nos beijamos. Ouvíamos alguns gritos vindos do filme, mas ignoramos. Depois... Não ouvíamos mais nada, o filme havia acabado... Os dois casais continuaram se pegando no sofá, mas eu e o Zack resolvemos dar uma volta. 

Saímos da minha casa e começamos a caminhar sem rumo pela rua. Conversávamos sobre seu trabalho, curso e minha escola... Assuntos comuns do dia a dia. Quando nos demos conta, estávamos parados na entrada do parque. Nos olhamos e ele me lançou um olhar que perguntava "Quer entrar?". 

Sorri e ele levou isso como um sim. O Zack pulou a grade e eu o fiz em seguida. 

O parque estava como sempre... Morto e vazio. 

-É tão triste ver esse lugar assim. -O Zack falou enquanto andávamos até entre as árvores mortas que sentamos outra vez. -Tinha uma época que esse lugar era uma boa parte de quem eu era e quando minha família morreu, esse lugar virou tudo para mim. -Seu corpo soltava as palavras, mas sua mente divagava por algum lugar, provavelmente no passado. 

-Eu vinha aqui com meu irmão. -Falei. -Ele costumava ficar conversando com as criancinhas desesperadas por ele, enquanto eu ficava brincando... Eu amo meu irmão, mas quando estávamos na rua, ele era mais dos fãs do que meu... Às vezes eu sinto que cresci muito sozinha, mas lembro de tudo que o Miguel já trocou só para ficar comigo e me sinto culpada e egoísta.

-Você não é egoísta, só ciumenta. -Ele deu uma risadinha e eu fiz uma cara feia. -Nem tenta negar, Fernanda. Fica bem irritadinha quando ele passa mais tempo com a Karina do que com você! 

-É meu direito, tá legal? -Falei me defendendo e ele riu. Sentamos no chão, em volta de muitas folhas mais que mortas, e eu me senti nostálgica. Em um lugar que um dia já foi vida e felicidade. -É tão horrível como deixaram esse lugar morrer! 

-Lugares também morrem... -Ele disse enquanto mexia nas folhas. -Sabe... -Ele me olhou, mas não parou de mexer nas folhas. -Eu vi esse lugar morrer, vi as pessoas pararem de vir aqui e vi quando o portão foi fechado para nunca mais abrir... E tudo começou quando o Kelvin entrou para as drogas. É idiota eu sei, mas o portão foi fechado no dia que minha mãe morreu... Eu não acredito muito em coisas espirituais, mas... Não consigo não pensar que isso se parece com a minha vida. Era maravilhosa, na medida do possível, eu era feliz... Ai, aos poucos, tudo começou a desmoronar. Primeiro com folhas caindo... Também o abandono... E, por fim, o esquecimento... 

Olhei para o Zack e só consegui ver dor. Por que ele precisava se torturar e ficar vindo aqui para lembrar e reviver tudo que sentiu? Ele não podia simplesmente seguir em frente? Não... Tudo ficou claro para mim. O parque não era um lugar para ele reviver a dor, era um lugar que ele se culpa por não poder ajudar. Quando eu o encontrei, tentei ao máximo ajudá-lo e eu me senti responsável por ele... Assim como ele se sente por esse lugar... 

-Eu posso comprá-lo! -Disparei as palavras antes de pensar no que falava. Ele me olhou sem entender nada. -Eu poso comprar o parque. 

Um estranho em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora