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-Você não é um assassino... -Era informação demais para processar, mas nada que me fizesse achá-lo um assassino. -Você defendeu as mulheres que você ama. A Sandy não deveria pensar o contrário. -Ele me olhou parecendo não acreditar no que eu dizia.

-Quer...Quer dizer que você não me acha um assassino? -Ele queria uma confirmação e eu não podia negar aquilo a ele.

Limpei sua lágrimas e segurei o seu rosto de forma carinhosa.

-Eu jamais pensaria isso de você. -Ele deu um pequeno sorriso de lado.

-Eu preciso contar outra coisa...

-Não, Zack... Já foi coisa demais para um dia só! -Falei, mas ele parecia muito decido.

-Eu não aguento mais segredo entre a gente, Fernanda. Deixa eu descarregar tudo de uma vez. -Não ia discutir com ele. -Quero te contar a história da minha vida. O que me fez entrar naquela confusão com os caras que me fizeram te conhecer. -Colocando assim, até parecia que os caras não tinham o espancado no meio da rua.

-Eu escuto o que quiser me contar, Zack.

-Eu tinha treze anos. -Olhei para ele, mas ele olhava para seu reflexo na televisão. - Morava eu, meu irmão mais velho, Kelvin, o novo, Hugo, e meus pais. Nesse ano, meu pai abandonou a gente e meu irmão mais velho, de 17 anos, virou um viciado em cocaína. No começo, passava batido que ele estava se drogando, mas foi muito rápido para vermos o efeito que aquilo causava nele. Ele ficou desligado, agressivo e até bateu na minha mãe quando ela pediu para ele largar essa vida. Minha família nunca teve muito dinheiro e quando meu pai saiu de casa as coisas só ficaram mais apertadas, ela precisava cuidar de três filhos e como o Kelvin constantemente roubava dinheiro para pagar as drogas, só piorava as coisas. O tempo foi passando, nossa mãe escondia o necessário para a comida e as contas e o que sobrava ela fingia esconder para que ele pudesse pegar e pagar as drogas. Ela não queria fazer isso, mas víamos a realidade de quem não as pagava e, apesar de tudo, ele era uma boa pessoa e não merecia morrer.

"Três anos passaram nesse vai e vem, o dinheiro passou a não dar. Ele comprava mais droga do que podia bancar, eu tentei arrumar um emprego, mas o que uma criança de treze anos pode fazer? Eu não achei nada e minha mãe se recusou a deixar um filho dela vender bala no sinal, pois ela sempre dizia lugar de criança é na escola. Uns caras estranhos bateram na porta lá de casa procurando o Kelvin, mas ele nunca estava, apesar de tudo, ele não queria que a nossa mãe o visse naquele estado. Ela chorava tanto e eu tentava fazer com que a dor não fosse tão forte, mas como que faz uma mãe não sofrer por um filho, que ela sempre deu o sangue o o suor para criar da melhor forma possível, que se entregou totalmente as drogas? Os caras não hesitaram em deixar um recado, eles falaram que se ele não pagasse o que devia em uma semana iria morrer. Eu tive uma conversa séria com ele e brigamos feio, ele estava totalmente tomado e devastado pela droga e, nessa semana, ele passou a roubar tudo que via pela frente só para poder se livrar das dívidas, mas ele se enfiou em um problema muito maior quando invadiu a casa do chefe da boca".

"Não demorou muito para que encomendassem a morte dele. Só ficamos sabendo dois dias depois quando ele não apareceu em casa e um dos caras veio cobrar a dívida. Ele devia tanto dinheiro e eu e minha mãe precisávamos dar um jeito de pagar. Não tivemos nem um segundo para ficar de luto e nem conseguimos fazer um funeral, pois o cara que mandou matar ele fez coisas com o corpo que não posso expressar em palavras, mas isso não foi o pior, ele mandou várias fotos para o celular da minha mãe. Acho que você consegue imaginar como ela ficou, não? Sobrou para mim sustentá-la e ao meu irmão mais novo. Com 16 anos foi mais fácil achar trabalho o que foi não foi muito fácil, foi manter as notas boas e trabalhar. Eu repeti de ano. Fui de melhor aluno a pior em um tempo".

"Trabalhei muito, muito mesmo enquanto via a minha mãe tendo crises de pânico, ansiedade e gritando o nome do Kelvin toda noite. O Hugo ficava assustado e ia para o meu quarto. Ele não conseguia dormir e eu tinha que ficar acordado com ele falando que tudo ficaria bem e que aquilo passaria. Ele me perguntava do Kelvin e eu não conseguia dizer para ele que as drogas tinham o matado. Eu era um fraco".

"Não importava o quanto eu trabalhava e o quanto eu dava a maior parte do meu salário para aqueles idiotas, só parecia que eu devia mais. Pagava um e vinha dez me cobrar dinheiro. A minha mãe acabou sendo demitida do trabalho dela, pois o chefe dela vivia dizendo que ela dava mais dor de cabeça do que trabalhava e eu virei o único provedor. Ela tentou arrumar outro emprego, mas estava tão debilitada que não conseguiu. Você conversava com ela e ela não te dava atenção, começava a chorar ou gritar do nada...".

"Um dia , quando eu estava voltando do trabalho, peguei uma carta no correio e era um cara ameaçando meu irmão mais novo. Ele dizia que se não quitasse toda a dívida ele o pegaria e só devolveria quando tudo tivesse acertado. O que ele não disse é que faria isso no dia seguinte. Acordei com alguém arrombando a porta da minha casa, minha mãe não acordou não sei como, tentei ir ao quarto do Hugo, mas um dos capangas me segurou enquanto outro o pegava. Eu vi meu irmãozinho ser tirado de mim e eu não pude fazer nada. Ele gritava meu nome e estendia o bracinho para que eu o alcançasse, mas eu não conseguia sair do lugar. Tentei lutar com o cara, mas ele era muito forte e eu não tinha chances. Eu o vi sair pela porta com seus olhos desesperados e vermelhos de tanto chorar. Tentei correr atrás dele, mas o cara que me segurava apontou uma arma para o meu irmão e disse que se eu fosse atrás ele atiraria e mandou eu esperar um pedido de resgate ou um lugar para pagar o resto da dívida".

"Não tive escolha... Queria correr atrás dele, mas para o bem dele, não pude. Fui atrás da minha mãe e a vi caída na cama com um frasco de remédio do lado dela. Um dia estava cheio e no outro vazio. A sacudi, mas ela não acordou. Peguei ela no colo e com ajuda de uma amiga a levei para o hospital. Se eu demorasse mais um segundo ela não sobreviveria. Voltamos para casa e eu não consegui contar para ela sobre o Hugo e ele ficava a maior parte do tempo no quarto que não achou estranho. No dia seguinte veio um pedido de resgate, que a minha mãe pegou, eles queriam vinte mil. Era o dobro do que meu irmão devia. Ela ficou desesperada e eu me virei em infinitos para conseguir o dinheiro... Não tinha mais o que fazer e eu não queria decepcioná-la. Acabei recorrendo a um agiota, foi a pior coisa que fiz, mas era a única saída. Pensei em roubar o dinheiro em algum banco, mas ia completamente contra a tudo que minha mãe havia me ensinado durante meu crescimento. Ela dizia que não importava o quão difícil a vida estava, nada justificava pegarmos aquilo que não é nosso".

"Quando eu fui para o lugar que havia marcado eles não estavam mais lá. Eu me atrasei um minuto, pois parei para comprar uma garrafa d'água, eu estava com muita sede. No lugar, havia um bilhete e a única coisa que estava escrito era..."

-Que pena que a última vez que você viu seu irmão ele estava chorando e implorando por ajuda.-Ele me olhou e eu não tive reação. - Por uma garrafa d'água eu perdi a pessoa mais importante da minha vida, Fernanda. Depois disso, a minha mãe me xingou horrores, disse que eu era inútil, assassino, covarde e muitas outras coisas. No fim, a última coisa que ela me disse antes de morrer foi dos meus três filhos, você é o único que eu me arrependo de ter colocado no mundo.

Lágrimas escorriam dos meus olhos e do Zack. Tentei me manter forte, por ele, mas era tanta tristeza e crueldade que eu não consegui. Não falamos nada depois do fim do relato, apenas nos olhávamos.

Seus olhos iam dos meus para a minha boca e, no tempo de um impulso elétrico, colei nossos lábios.

Um estranho em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora