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Não sei o que deu na minha cabeça, mas fui direto ao menino. Abaixei-me a seu lado. Pensei em sacudi-lo, mas não sabia o quanto isso poderia machucá-lo. Seu rosto estava sangrando, sua blusa um pouco rasgada e saia sangue, muito sangue de sua cabeça e supercílio direito. Olhei para os lados, mas só havia eu ali. Sozinha ao lado de um estranho desacordado. 

Peguei meu telefone e liguei para o Zé, nosso motorista, e implorei para as forças maior que o Miguel não estivesse fora de casa. Precisava ajudá-lo. Não sabia porque, mas precisava. 

-Zé, preciso de você agora. Aqui na rua atrás da escola.

-O que foi, Fernanda? Você está bem? –Ele perguntou preocupado. 

-Sim, estou. Mas é urgente. Vem o mais rápido possível.

Ligar para a ambulância ou polícia não passou pela minha cabeça. Essa covardia, se posso chamar assim, estava bem direcionada. Talvez ele devesse dinheiro para alguém ou outra coisa. Uma coisa sabia... Duas, na verdade... Primeiro, precisava ajudar esse menino. Segundo, limpa, a ficha desse menino não era.

O Zé chegou bem rápido e ficou assustado com o que viu.

-Coloca ele no carro que eu explico. –Ele deu uma olhada em mim para ver se estava machuca, mas o único sangue que tinha em mim era um pouco do dele. Colocamos o menino misterioso no carro com um pouco de dificuldade. Já disseram que pessoas desmaiadas pesam muito?

Contei a história enquanto rumávamos para o hospital mais renomado da cidade. Por que eu estava fazendo aquilo? Também não sei, talvez um dia eu descubra. O Zé não desistiu um minuto de me fazer mudar de ideia de levá-lo pessoalmente para o hospital, mas nada que ele falava diminuia a minha vontade de ajudá-lo. 

-Você não sabe quem é esse menino. –Peguei a carteira do menino no bolso antes do Zé terminar a frase. Ele tentava pela sei lá que vez, perdi a conta na terceira.

-O nome dele é Zack Gomes e tem 22 anos. É brasileiro, mas pelo nome dos seus pais, tem descendência de algum país europeu. Se me permite um palpite, Itália. –No outro bolso encontrei o celular e foi bem fácil desbloquear. Quem não coloca senha no celular? Ainda mais ele que parece ter muita coisa para esconder. Entrei no whats dele e me senti uma intrusa nível máster. Entrar no whats dessas pessoas era como entrar no banheiro enquanto elas estavam usando o trono. Estranho, mas é real. Procurei palavras específicas como: mãe, pai e outras que pudessem me ajudar a achar alguém da família, mas estava difícil. –Esse garoto não tem amigos. –Olhei o nome dos contados para ver se tinha alguém, mas só via pessoas que eram salvas com números, isso tudo era muito estranho. Até que... –Opa. Achei um nome, melhor amiga. –Estava escrito. –Será que eles ainda se falam? –Eu falava alto, mas era mais para mim do que para o Zé.

-Liga logo, Nanda. Você vai fazer isso de qualquer jeito. –Ele tinha razão. Liguei e a pessoa atendeu no segundo toque e antes que eu pudesse falar qualquer coisa, alguém gritou do outro lado da linha.

-Eu já te disse para não me ligar mais! Você não tem noção? Depois de tudo que você fez? Você acha mesmo que eu um dia vou querer ouvir sua voz de novo? Você é a pior pessoa desse mundo, é muito pior que o meu pai ou qualquer outro babaca que a gente já xingou na vida. Vai se fuder, Zack. Você e todas essas merdas que faz!

Fim. A menina desligou na minha cara e suas palavras só faziam minhas certezas por esse menino serem mais fortes. Eu vou mesmo ajudar uma pessoa que parece ser bem perigosa? E o que ele vai fazer quando acordar e souber que eu mexi em seu celular? Será que ele vai me matar por ter muita informação?

Não ligava, parando para pensar mais tarde, não era que eu não ligava, eu apenas não havia parado para analisar quais seriam os riscos da minha decisão. De verdade e isso me deixou muito assustada. O fato deu não estar me importando o que ele faria comigo quando acordasse me deixou com medo de ter perdido o amor à vida.

-Ela não parece muito animada em falar com ele e, pelo que li, seus pais morreram e seu parente mais próximo mora na Finlândia e o detesta. –Bufei.

-Como vai fazer para não ser reconhecida no hospital, senhorinha quero salvar o mundo? –Ah essa tal de intimidade é uma desgraça mesmo.

-Ótima pergunta, Senhor estraga planos de adolescente. –Abri o porta-luvas e fui direto para o fundo falso que fiz questão de colocar assim que compramos o carro. Peguei uma peruca loira, bem diferente da cor do meu cabelo, um casaco para esconder o uniforme e um piercing de septo falso, que parecia bem real. Uma dica para passar discretamente pelas pessoas quando você é um pouquinho conhecido: não basta você mudar a cor do cabelo, tem que ter algo mais como, uma tatuagem ou um piercing, algo que não faça as pessoas desconfiarem que você é você. (Sim, às vezes eu dava uma de Hannah Montana). Meus pais e meu irmão com suas carreiras atraiam atenção e, como eu disse, gosto de privacidade e espaço de vez enquando. Quando começaram me reconhecer foi só eu colocar a peruca mais um piercing no septo que tudo deu certo e eu tinha a desculpa perfeita. "A Fernanda não tem piercing e eu tenho".

-Você guarda tudo isso ai desde quando?

-Ah Zé, eu guardo muita coisa em muitos lugares. –Peguei uma carteira que guardava ali também, com identidade, cpf, cartão de crédito e tudo mais que se guarda em uma carteira. –Tudo bem. Presta atenção. –Estávamos quase chegando no hospital. Precisava falar e colocar a peruca ao mesmo tempo. Difícil, mas não impossível. –Meu nome é Bianca, tenho 19 anos e sou namorada do Zack. Você é um bom senhor que estava no lugar certo na hora certa.

-Vai mesmo embarcar nessa? Se me permite dizer, você pirou de vez! Seus pais vão nos matar quando souber. 

-Vou. Não vai dar em nada, você vai ver. Ele vai para o hospital, vão cuidar dele e depois ele vai embora. E outra, meus pais não vão descobrir. Por acaso eles descobriram que fui eu quem ajudou aquele senhor a fugir da casa de repouso para encontrar sua esposa? –Esse havia sido um caso que passou no jornal por semanas. A família ficou muito irritada pela falha segurança, mas o que eu poderia fazer? O senhor estava tão triste e ficou tão alegre assim que viu a mulher em outra casa de repouso do outro lado da cidade.

-Nanda, você...

-Não, eu não. A Bianca. –Disse rindo.

-Vocês são a mesma pessoa! Por favor, não me confunda. Meu Deus, falar isso é tão estranho! -Ele supirou. -Você tem certeza que quer fazer isso? Quer mesmo pagar os cuidados desse menino que você encontrou na rua do nada? 

Um estranho em minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora