CAPÍTULO 2

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Azriel estava na cama, olhando para o teto, Reveladora da Verdade indo de uma mão para a outra. Um hábito que tinha obtido a muito tempo. Não conseguia dormir e odiava aquilo, nunca teve um sono pesado, na verdade sempre teve dificuldade para sequer pegar no sono. Tinha aprendido que não era divertido ser acordado enquanto era espancado e mesmo que na época não fosse capaz de se defender, estar preparado era melhor que nada.

E, agora, mesmo sabendo que podia se defender e que naquele instante estava seguro... Não conseguia dormir. Hábitos são difíceis de largar, especialmente para ele. Az fechou os olhos, afastando as memórias, faziam séculos e aquilo ainda o assombrava. Assim como outras coisas. Memórias também eram difíceis de serem esquecidas.

O mestre espião suspirou e olhou em direção a janela do quarto, a lâmina ainda alternando em girar entre seus dedos e ir de uma mão para outra, estava inquieto e estar inquieto o fazia pensar demais e pensamentos faziam aquele rugido em sua mente surgir. O Illyriano, suas as sombras moveram-se por entre suas asas e amontoaram-se sobre seus ombros num gesto reconfortante, fazendo com que um leve sorriso aparecesse em seu rosto, ele soltou a adaga e ergueu a mão deixando que os fiapos de escuridão serpenteassem por seu braço e dançassem por entre seus dedos.

Se passou algum tempo com ele apenas às observando, ouvindo os sussurros esperando que aquilo o acalmasse, mas tinha aquela inquietação sob sua pele que tornava impossível que ficasse parado, muito menos que dormisse. Azriel olhou de novo para além da janela, ele podia ir até a cidade, observar as pessoas, se deixar contaminar pelas cores e pelos sons.

Ele também podia buscar uma outra cama apenas por aquela noite, apenas para cansar o próprio corpo e para de pensar, depois apenas ir embora. Sem complicação para nenhuma das partes envolvidas. Também podia apenas sobrevoar a cidade, ir de um lado para o outro até cansar. Apenas precisava sair dali, gastar aquela energia de alguma forma. Não importava como a noite fosse terminar, aquilo era só um detalhe.

O encantador de sombras não se deu tempo para pensar mais em nada e soltou da cama, pegando a primeira camisa que viu e a colocando. Ainda não estava pensando enquanto saia andando pelos corredores da Casa, sem perceber, pegando as escadas que davam para o ringue. Antes de alcançar o arco ouviu os sons dos movimentos. Suas sombras que tinham se retraído antes espiaram pelo seu ombro e lhe sussurraram o nome dela.

Gwyn estava lá, executando uma sequência de socos e chutes, os golpes eram tão precisos e fortes que era uma surpresa o tronco enrolado com cobertores ainda estivesse inteiro e para qualquer outra pessoa séria só um sessão de treino extra, mas ele via a tensão no corpo dela, a respiração ofegante, que não tinha nada a ver com o esforço, a raiva em cada movimento. Mais do que via, Azriel entendia, porque aquela também era sua válvula de escape. Ele observou a Valquíria executar golpe após golpe, se perguntando se deveria sair sem que ela percebesse, só que não saiu, apenas assistiu em silêncio.

Os dois tinham se encontrado no ringue mais vezes do que ele poderia contar, a primeira vez tinha sido no Solstício de Inverno e depois isso aconteceu de novo e de novo. No começo não conversavam muito, alguns cumprimentos e depois cada um ia para um lado do ringue, mas com o tempo começaram a se falar mais, a se aproximar. Az se lembrava que uma vez ela estava errando uma sequência com a espada, ele disse isso a ela e Gwyn pediu para que a ensinasse certo, então ele o fez. Depois disso passaram a conversar cada vez mais e foi assim que tinham se tornaram amigos, ajudava o fato da ruiva ser tão sarcástica quanto ela podia ser.

Também havia o fato de que eles se entendiam, de uma forma estranha e inexplicável, mas se entendiam. Talvez porque ambos estavam ali porque não conseguiam dormir e eles sabiam o motivo disso mesmo que nunca falassem. Quando um não queria papo o outro não falava, nunca forçava a barra, mas quando precisavam daquilo, quando precisavam de ânimo, conversavam durante horas.

𝐶𝑜𝑟𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑆𝑜𝑚𝑏𝑟𝑎𝑠 𝑀𝑒𝑙𝑜́𝑑𝑖𝑐𝑎𝑠Onde histórias criam vida. Descubra agora