Capítulo 60

206 20 6
                                    

Anahi

As luzes da premiação ainda brilhavam com intensidade, mas, para mim, tudo parecia embaçado, distante, eu estava extremamente confusa e só conseguia encarar meus próprios pés, o cérebro tentando entender assimilar as palavras finais do discurso de Alfonso.

Aos poucos, as pessoas se levantaram e começaram a se misturar, comigo não foi diferente, acabei conhecendo algumas outras empresárias que também estavam ali pela primeira vez. A ideia era clara e só uma: networking. Era exatamente isso que Dulce tanto enfatizava. O evento era importante para entregarmos o cartão da empresa e sinalizarmos "ajudamos a sua empresa a correr menos risco de falir." E ela estava certa, eu precisava focar no trabalho, fazer contato. Essa premiação, essa convenção, tudo era mais importante do que meus sentimentos confusos. As conversas fluíram, mas meu olhar sempre voltava para ele. Eu tentava ignorar, focar em outra coisa, mas a presença dele não era fácil e não passava despercebida.

Foi então que, no meio de uma conversa, eu o vi com uma mulher loira e elegante, claramente à vontade nos braços dele. Ela cochichava algo no ouvido dele, com um ar cumplice que me fez sentir estranha. Meu estomago revirou. Uma onda de desconforto me atingindo como um soco, ele parecia... íntimos demais. Um incomodo tomou conta de mim. Por que diabos isso está me afetando?

Sem pensar, peguei outra taça de champanhe. E depois mais uma, e mais uma, e mais outra. Os sorrisos ao meu redor começaram a se desfocar, as conversas pareciam distantes, e minha mente se encheu de pensamentos intrusivos, um deles ela Nate, que aparecia como um relâmpago em minha mente. Suas palavras duras, suas atitudes grosseiras, tudo voltava à minha cabeça. Eu estava ficando bêbada, ótimo.

As palavras de Dulce surgiram como uma voz sensata: isso é sobre trabalho. Foco. Tentei me agarrar a isso. E pensando nisso, pensei que mesmo a contragosto, eu precisava parabeniza-lo, afinal, tudo isso era pra ele. Alfonso, goste eu ou não, era o maior newtworking possível.

Decidida, virei-me em sua direção, mas ele já não estava mais agarrado com a loira, estava caminhando para fora do evento. Com uma última taça de champanhe na mão, dei uma corridinha no intuito de não perde-lo de vista e o segui.

As luzes da festa ficaram para trás, e o som suave das ondas preenchia o silêncio, ele estava indo à praia do resort. Tirei meus sapatos e os segurei em uma mão, enquanto segurava minha taça na outra, caminhei, sentindo a areia gelada em meus pés, percebi que Alfonso me encarava, respirei fundo e me aproximei devagar e, sem trocar uma palavra, me sentei ao lado dele, ficando em silêncio

- eu vim... te parabenizar pelo prêmio – disse, finalmente, minha voz era suave, apesar de tremula. Alfonso não me respondeu de imediato, ele encarava o mar, as ondas quebrando suavemente. Demorou alguns segundos, como se estivesse escolhendo as palavras com cautela.

- obrigado – finalmente respondeu em um tom baixo, quase como se o premio fosse a última coisa em que estivesse pensando.

O silêncio voltou a pairar, mas desta vez era mais pesado. Sentia que tanto eu, quanto Alfonso tínhamos muito a ser dito, muito mais a ser enfrentado, mas ninguém queria ser o primeiro a quebrar a barreira. Passei as mãos pelos cabelos, tentando acalmar a minha própria inquietação, mas os meus dedos estavam trêmulos e eu não me reconhecia, eu não costumava ter esse tipo de reação. O ar estava carregado de uma tensão que não era recente, mas que nunca havia sido resolvida por nenhum de nós.

- eu não sabia que você estaria aqui... – comecei, também olhando para o mar dessa vez – na verdade, eu sabia, todo mundo sabia, seu nome estava sendo anunciado há meses, mas eu havia esquecido, quando me lembrei já estava à caminho e eu não esperava que as coisas fossem... – a frase se perdeu, o turbilhão de emoções fazendo as palavras parecerem inadequadas. Alfonso finalmente me encarou, os olhos verde oliva escurecidos pelo peso de tudo que sentia.

- e mesmo assim, aqui estamos nós – ele respondeu, com um leve sorriso amargo – como se o tempo não tivesse parado, as coisas tão difíceis quanto eram no passado. – encarei Alfonso o verde dos olhos refletindo algo que não saberia identificar. Por mais que os anos tivessem passado, a intensidade entre eles ainda estava ali, à flor da pele.

- eu não... eu não queria que fosse assim, Alfonso – minha voz saiu falha por um momento – eu só... – hesitei, e em seguida soltei as palavras que talvez não devessem ser ditas – eu só não sei mais o que fazer quando estou perto de você, acho que nunca saberei. – Alfonso inclinou a cabeça, seus olhos agora presos aos meus. Havia tanto pra dizer, mas acredito que as palavras nunca seriam suficientes para nós dois.

- por Deus, Anahi. Você acha que é fácil pra mim? – ele perguntou, a voz rouca – ver você aqui... depois de tudo? – Olhei para baixo, o peso da confissão dele e da minha caindo sobre como uma avalanche sobre mim.

- não... quer dizer, eu não sei, Alfonso. Foi você quem me causou mal, você deveria saber como lidar com isso, mas eu não imaginei que para mim ainda seria tão... – procurei as palavras, mas o turbilhão de sentimentos que me invadiam me interrompiam – tão difícil.

- difícil? – Alfonso soltou um riso amargo, olhando para o céu estrelado por um momento antes de voltar a me encarar – Anahi, eu esperei você por anos, em alguns momentos achava que a dor ia passar, achava que o tempo iria fazer tudo ficar mais fácil. Eu mandei procurarem por você em todos os lugares possíveis desse planeta, eu tentei me aproximar quando te vi não pra te convencer de que eu sou perfeito e que não tinha errado, eu só precisava me aproximar, me certificar de que você estava bem, eu só precisava saber que você estava bem, mas em todas as minhas tentativas, eu fui rejeitado, a última delas eu me abri de verdade, tudo que te falei é verdade, eu sinto muito por tudo que te fiz, mas novamente, você desapareceu, sumiu da mesma forma que apareceu e quando eu acredito que irei me obrigar a te esquecer, você aparece aqui, como se nada tivesse mudado, me fazendo sentir como se ainda fossemos aquelas mesmas pessoas de antes – balancei a cabeça, meus olhos já marejados

- eu não sou a mesma. Nem você é, mas isso... o que aconteceu entre nós... enfim, eu precisava desaparecer, Alfonso. Aquela cidade, você... eu não conseguia. – falei balançando a cabeça em negativa - Você me machucou demais, não estou falando só de dor física. Você me humilhou, você me fez sentir um lixo, mas ainda assim eu me apaixonei, eu teria passado por cima disso, mas no dia que eu mais precisei de você, que eu acreditei que você fosse ter a humanidade de estar ao meu lado, você simplesmente desapareceu. O desaparecimento que você tanto me questiona foi o mesmo que você fez comigo! – afirmei em meio as lagrimas – eu precisava ir embora e nada me faria mudar e não pense que foi fácil, porque não foi. Minha cabeça e meu coração são traiçoeiros, os dois, mesmo feridos por você, ainda sentiam sua falta, tinha dias que eu ainda queria ter você por perto mesmo que fosse me ignorando, me humilhando, me obrigando a ficar, mas ai eu lembrava que eu não precisava de você e me sentia melhor, mas eu tenho estado mais confusa do que nunca, te ver aqui, tão perto, me fazem sentir algo que eu não sei dizer – suspirei – é algo que ainda me assombra.

- me assombra também – ele respondeu, o olhar intenso, havia verdade ali – eu queria dizer que não entendo o fato de você desejar ir embora, o fato de você ter ido embora, mas eu entendo, Anahi. Ainda assim, isso não me impede de sofrer e eu sofri ainda mais quando soube que você havia casado, porque eu te amava e eu acreditava que se um dia você aparecesse novamente em minha vida, eu te reconquistaria. Eu esperei esses anos todos... – fechei os olhos por um momento, suspirando em seguida – eu não sei lidar com isso, com você, não sei olhar pra você e não me preocupar, não tentar falar, não me interessar.

- e agora? – perguntei, com a voz baixa – agora que estamos aqui, frente a frente – mordi os lábios, uma lagrima pesada caindo

- eu não sei – ele sussurrou – eu só sei que não consigo ignorar o que sinto e não me peça para fazê-lo.

O silencio voltou, mas desta vez estava carregado de emoções cruas, vulneráveis. Nenhum dos dois sabia o que viria a seguir, mas estávamos ali, no mesmo lugar, com os corações expostos, as feridas sangrando e incapazes de fugir dali para território seguro enquanto ainda era tempo.

THE ESCORTOnde histórias criam vida. Descubra agora