Perda;

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— Já passou

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— Já passou. — a enfermeira tentou consolar o Bento, que chorava com força depois da vacina do terceiro mês. Vívian, nervosa, tapava o rosto como se quisesse se esconder da própria impotência.

— Parece que a cada mês esse chorinho piora. — murmurou ela, com os olhos marejados.

— É uma reação comum. — respondeu a enfermeira, com calma profissional.

Aplicado o curativo, o carimbo do cartão, e ela se foi. Vívian pegou o Bento no colo e o levou ao peito, acariciando-lhe o rosto com um suspiro pesaroso.

— Poxa, mamãe... — disse ao filho, num sussurro infantil, tentando amenizar a própria aflição. — Ela tem a mão pesada, não tem? Muito pesada...

— Posso ir agora ou você prefere que eu fique? — perguntei, já hesitante.

— Pode ir. Daqui a pouco o pessoal vai chegar... Tudo bem eu ficar sozinha por um tempo.

Ela disse que estava bem. Mas seu olhar, mesmo por trás do sorriso forçado, dizia o oposto. Ainda assim, esperei até a chegada de Giulia, só então cruzei a porta com passos que me pareciam mais arrastados do que firmes.

Fui o trajeto inteiro até a casa da Yandra repetindo mentalmente o que eu queria dizer. Pensei nos tons de voz. Nas palavras certas. Em como olhar para ela sem parecer que eu a julgava. Comprei um buquê numa floricultura da rua onde ela morava — o lugar estava estranhamente movimentado.

— Está cheio por aqui... Aconteceu algo especial pelas redondezas? — perguntei ao florista.

— Uma fatalidade. A vizinha ali do lado perdeu a filha. Única. Uma tristeza imensa.

— Uma fatalidade mesmo... — repeti, sem perceber que já apertava as flores entre os dedos.

Paguei e segui meu caminho. Ao chegar à casa da mãe da Yandra, senti algo diferente no ar. Um tipo de silêncio tenso, interrompido por vozes abafadas. Desci do carro e reconheci alguns rostos. Pierre veio ao meu encontro.

— Gabriel... sinto muito. — me abraçou com pesar.

— Sentir muito pelo quê? — tentei sorrir, confuso. — Fazer trinta anos não é tão ruim assim...

Por um segundo, a suspeita passou pela minha mente. Mas a neguei tão rápido quanto veio.

— A Yandra... Ela tentou contra a própria vida. Não resistiu.

Fiquei em silêncio, encarando-o sem reação. Como se a frase não fizesse sentido. Como se ele tivesse dito as palavras na ordem errada.

— É uma lástima. Eu sei. — disse ele, alisando meu ombro. — Uma perda para a família, para os amigos... e também para a medicina. Ela tinha acabado de se formar.

— O corpo dela está aqui? — perguntei, já apontando para dentro da casa.

— Está... mas acho melhor você não entrar. A família está muito abalada e... ela não está como costumávamos ver.

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