Cap.149: Vá se trocar.

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Quero minha cama, quero meu travesseiro, quero dormir por mais duas horas, no mínimo, e quero beijar na boca. - pensei enquanto entrava na cozinha de mau humor.

Olhei para o relógio na parede que marcava quase cinco da manhã e depois para o meu avô, que acabava de encher duas canecas com chocolate quente e empurrava uma delas em minha direção.

- Beba. Se quiser, faço algumas torradas. - sugeriu.

- Só o leite está bom. - respondi com voz rouca de sono. - Não tenho muita fome a essa hora.

- Seria bom você se alimentar melhor antes de sairmos, vamos ter uma manhã puxada. E pelo que percebi, você não está acostumado com atividades tão cedo, não é? - comentou bebendo um gole, olhando para mim maliciosamente.

- Acostumado não estou. - confirmei também bebendo um pouco. - Mas faço o que for preciso.

- Entendo. - meu avô continuava a me fitar por trás da fumaça que saía de sua caneca.

Terminamos de beber em silêncio. Eu não era a mais comunicativa das pessoas àquela hora, principalmente quando sentia que só meu corpo estava ali, o restante continuava na cama. Quando o meu avô percebeu que eu havia terminado e tinha fechado os olhos, começando a cochilar, deu uma sonora pancada com a mão aberta na mesa, o que me fez despertar.

- Muito bem, rapaz! - falou firme, mas bem humorado. - Eis o que você vai fazer essa manhã. Primeiro: alimentar os animais, o que inclui todas as aves, os porcos, ovelhas e cavalos. - fez uma curta pausa, observando minha reação, que foi arregalar os olhos de espanto. - Depois, enquanto os cavalos saem para se exercitar, limpará os estábulos. Quero palha limpa em todas as baias.

Eu olhava para o meu avô me perguntando se ele estava maluco ou se fazia ideia que eu nunca tinha feito aquilo na vida. Não sabia nem por onde começar! Mas parecendo adivinhar meus pensamentos, disse:

- Tenho um ótimo funcionário que irá lhe explicar como executar suas tarefas. - analisou-me de cima a abaixo e completou. - Irá precisar de roupas mais adequadas.

- Como assim, o que tem de errado com essas? - perguntei chateado, erguendo os braços.

- Vestido como uma "estrela do rock" não irá ajudar, Christopher. - comentou apontando para a roupa que estava vestindo: calça jeans rasgada, jaqueta de couro preta e tênis surrado. - Você não irá passear no shopping, mas trabalhar e trabalhar duro. Creio que não irá gostar de ter sua roupa de grife cheia de estrume, palha, terra e suor, não é? Vamos lá! Separei algo pra você vestir.

Levantou-se da mesa e o segui, ainda em choque. Fomos até a sala, onde ele pegou uma pilha de roupas dobradas em cima de uma poltrona e um par de galochas.

- Vá se trocar e veja como fica. - sentenciou sem chance de negativa.

Rangendo os dentes, peguei tudo e fui resignado ao banheiro. Como não tinha alternativa, comecei a me despir contrariado. Enfiei a grossa camisa de flanela quadriculada pelos braços, coloquei o enorme macacão jeans pelas pernas, puxando as alças nos ombros. Nos pés, coloquei grossas meias, antes de enfiar as galochas pretas, grossas e pesadas. Por último, vesti um casaco marrom, grosso, velho e surrado. Contemplei o meu reflexo no espelho e fiz uma careta.

Estou ridículo! - pensei chateado.

Peguei minhas roupas e levei para o quarto. Então percebi minha velha touca de lã preta em cima da cama e resolvi colocá-la. Precisava usar algo meu para me sentir um pouco menos esquisito. Enfiei na cabeça e voltei pra sala, onde o meu avô aguardava próximo à porta.

- Ficou bem, Christopher! - falou assim que me viu, claramente tentando controlar a risada. - Percebo que deu um toque pessoal ao visual. - disse apontando para minha touca, mas nem respondi. Cruzei os braços, aguardando o que viria a seguir.

Vovô limitou-se a abrir porta, fazendo sinal para que o seguisse. Colocando as mãos no bolso do casaco, foi o que fiz. Do lado de fora, o ar da manhã era terrivelmente gelado e não me importei de seguir os passos rápidos de meu avô. Precisava ficar em movimento para não congelar. Ainda estava escuro e não consegui conter um longo bocejo. Após a curta caminhada, chegamos num galpão, onde fui apresentado a Wesley Jones - pelo que pude notar, o braço direito do vovô. Aparentava quarenta e poucos anos. Discretamente, observei que vestia uma roupa muito parecida com a minha, com exceção do boné. Tinha cabelo preto e cheio, e a barba cerrada lhe dava uma estranha aparência de urso. Embora de baixa estatura, seu corpo era duas vezes mais largo que o meu, o que me fez pensar que deveria ser muito bom numa queda de braço. Vovô nos apresentou e depois um rápido e forte aperto de mão, explicou-lhe que enquanto eu estivesse no sítio, teria tarefas diárias e ele seria responsável pela minha orientação.

Fiquei um pouco apreensivo. Wesley não devia estar feliz sendo obrigado a assumir mais aquela tarefa. Seu rosto entretanto permanecera impassível e, aparentemente, aceitara sem hesitação aquela nova responsabilidade. Tudo ficou esclarecido. O vovô se despediu, avisando que nos veríamos à noite.

- Venha comigo, garoto da cidade. - pediu Wesley com voz baixa. - Os animais já estão impacientes.

Diferente do vovô, ele não andava correndo, mas cada passo seu revelava total domínio daquele ambiente. Eu sabia que apesar da roupa emprestada não enganava ninguém. Cada passada minha era cheia de dúvida e insegurança e, pior, minha cabeça continuava funcionando daquela forma: movia um pé, Dulce; respirava, Dulce; piscava, Dulce. E assim seguia ininterruptamente. Conclusão: minha concentração era precária. Ao quadro somava-se a minha falta de hábito de acordar cedo, o que me deixou mais lento e refletiu no meu desempenho.

No final daquela manhã, considerava Wesley um santo por suportar um trapalhão como eu ao seu lado. Fiz jus ao apelido que me deu, trocando totalmente os pés pelas mãos.

Mais Que Irmãos - 2° TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora