17§ Procura-se o taxista da madrugada

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A mulher pediu abrigo temporário na casa da assistente social. Foi dado um enquadramento da educação da mulher pela sua avó. Adicionalmente, começaram-se a manifestar algumas cicatrizes psicológicas da menina...

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- MÃE -

A apreensão no rosto do inspetor era evidente. Tinham sido parcas as palavras que tinham trocado desde a revelação da grade de madeira no quarto da menina. 

A mãe podia respirar a tensão que pairava no elevador, quando ambos desceram para ir até à praça de táxis.

Contudo depressa viu que esse pequeno percurso se iria converter numa longa pena quando se deparou com toda a confusão à porta do prédio. 

Vários vizinhos estavam no átrio de entrada, bem como nas escadas exteriores. Ela procurou ignorar os seus olhares esguios e de reprovação. 

Alguns, mais atrevidos, lançaram-lhe alguns apupos, denunciando a sua identidade perante a comunicação social ali presente.

Rapidamente a mãe e o agente ficaram rodeados de jornalistas, quais aves de rapina sedentas de um detalhe sórdido. 

De preferência um bem sumarento, que fosse passível de render altas audiências aos respetivos canais de televisão ou estações de rádio. 

Bastava-lhes algumas frases soltas, nem era necessário serem totalmente corretas ou conexas, que do resto encarregavam-se eles. 

Ela já conhecia bem o modus operandi deste tipo gente, com quem se cruzara diversas vezes na sua vida anterior de menina rica.

A avalanche de perguntas foi imediata, juntamente como os flashes das máquinas fotográficas, para poderem estampar o seu rosto no jornal do dia seguinte, ou na abertura de algum bloco noticioso. 

Algumas das questões que pôde escutar foram: "Pode-nos dizer em que circunstâncias a sua filha desapareceu?", "É verdade que deixava a sua filha em casa várias horas sozinha?", "Alguns dos seus vizinhos referem maus tratos à criança, o que tem a comentar sobre esse assunto?"

Estava ciente que qualquer declaração que fizesse iria ser posteriormente dissecada na redação de noticias. 

A fase seguinte seria a manipulação da mesma, quer por retirá-la do contexto ou distorcê-la. 

Finalmente, a pior versão de si mesma seria analisada por diversos pseudo-especialistas, ávidos em explorar os ângulos mais perversos das suas palavras, ao longo de horas inócuas de debates e programas de informação.

– Deixem-nos passar? – disse assertivamente o inspetor, afastando os mais insistentes. – Estamos a tentar trabalhar aqui?

No entanto a sua intervenção só veio atiçar mais a curiosidade mórbida destes profissionais de reportagem, abrindo-lhes a porta para o abordarem a ele também, com as mesmas questões.

– Estamos a fazer todos os esforços para encontrar a criança. – referiu com a maior objetividade que lhe era possível. – Para isso preciso que colaborem e me deixem prosseguir com a investigação.

O agente conduziu-a então entre a multidão. 

Claro que grande parte da comunicação se mobilizou atrás deles, no que costumavam chamar de "ir atrás da notícia" ou, de uma forma que lhe soava ainda mais ridícula, "jornalismo de proximidade".

Quando alcançaram finalmente a praça de táxis, pode notar o incómodo na face de alguns taxistas. Alguns deles ligaram prontamente os seus veículos, preparando-se para escapar. 

Contudo o inspetor prontamente deu a indicação para não saírem dos seus lugares.

De resto, aquela era uma mistura explosiva para as pessoas do bairro, que por norma eram avessas à polícia e à comunicação social. 

A reação normal de muitos era se esconder por detrás das cortinas dos seus apartamentos ou fugir do ângulo de visão, sempre que se apercebiam da presença de um agente da autoridade no perímetro. 

Neste caso, devido à presença simultânea da polícia e da comunicação social, alguns dos vizinhos, que procuravam uma exposição mediática, tinham se sentido confortáveis em sair para a rua e desfrutarem dos seus cinco minutos de fama. 

Já estes homens, que simplesmente queriam transportar alguns clientes e ganhar o seu dia sem sobressaltos, não tinham qualquer interesse no que pudesse advir desta situação.

– Reconhece algum destes taxistas como sendo o que a levou até à estação? – inquiriu o inspetor.

A mãe olhou pelos vidros dos três táxis ali parados. Nenhum deles era o motorista daquela madrugada.

– Do que se recorda acerca desse homem? – prosseguiu o inspetor após a resposta negativa da mãe. – Lembra-se do nome? Geralmente têm-no exposto num cartão de identificação na consola do carro. Ou por acaso apontou a matricula ou pelo menos sabe a marca do carro?

Agora arrependia-se de não ter reparado nesses detalhes. No meio de toda aquela ansiedade de encontrar a menina, não tomara atenção a qualquer desses dados. 

Até mesmo a descrição física que podia fornecer acerca do homem, limitava-se a alguns traços gerais que seguramente seriam partilhados por largas centenas de pessoas. 

Mesmo assim o inspetor anotou toda informação que ela foi lhe dando, à medida que lhe surgia na mente. Um a um, o polícia fez os motoristas baixarem o vidro da janela do seu táxi. 

Questionou-os sobre se conheciam algum colega com aquela descrição, que tivesse estado de serviço durante a madrugada. Tal como esperado, só obteve respostas evasivas. 

Um disse que só pegara ao serviço às oito da manhã, outro justificou que a praça de táxis era um local movimentado onde não estavam presentes sempre os mesmos taxistas e o último afirmara não conhecer qualquer colega que encaixasse na descrição.

A persistência do inspetor com os motoristas foi em vão, não conseguindo obter qualquer novo dado acerca do taxista da madrugada.

– Mas não é possível que vocês não o conheçam! – explodira ela não aguentando mais aquele cinismo e indiferença por parte dos homens. – A minha filha está desaparecida! Poderiam ser mais prestativos por favor?

A sua exaltação apenas servira para mais um prato de degustação dos jornalistas, que tinham rodeado a praça, gravando ao segundo a investigação do momento. 

Permaneceu com o inspetor mais algum tempo, ali na praça, abordando cada taxista que surgia, na esperança de que fosse o tal. 

Não obstante, o taxista da madrugada parecia ter desaparecido também, tal como a sua menina.

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora