28§ Atrás das grades

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O Wattpad por vezes tem comportamentos estranhos. Assim, antes de continuar, certifique-se sempre de que leu o capítulo anterior.

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O acontecimento dramático com a criança fez a mulher recordar-se de eventos traumáticos do seu passado, que podem ter tudo o que ver com o seu atual modo de atuar...

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- MÃE -

– Conte-me mais acerca do vosso quotidiano familiar. – dissera o inspetor, ao regressar ao gabinete e após recolher a folha de papel com os contactos que ela tinha preenchido.

O marido recolhera-se de novo ao silêncio pelo que, uma vez mais, coube-lhe a ela assumir o relato dos acontecimentos.

Obviamente passara a estar mais atenta aos incidentes da criança, registando os mesmos num diário. 

Tomava nota das datas das ocorrências, descrevia aspetos relevantes das horas anteriores, comentava a gravidade do incidente, entre outras coisas. 

O objetivo era simples: detetar padrões que lhe permitissem de algum modo antecipar esses eventos.

Idas de férias, alguém de visita em casa, uma mudança de turma na escola ou uma viagem num meio de transporte novo emergiram no diário como antecedentes de um novo surto de sonambulismo. 

Todos estes fatores vinham corroborar a advertência do médico, durante uma das idas frequentes a casa para assistir a menina.

– Períodos de grande excitação, ansiedade ou stress podem ser catalisadores do sonambulismo na criança. Procurem que ela tenha uma rotina diária calma e sem grandes novidades.

A partir daí passou a refrear-se de viajar com a criança. 

Por exemplo o comboio, em que acreditava a ter visto naquela manhã, era um dos meios de transporte que evitava usar com a menina a todo o custo, na tentativa de refrear esse borbulhar de excitação.

Durante algum tempo quisera ignorar outro dos sinais que teimosamente marcava presença lado a lado com esses incidentes: o regresso do pai a casa. 

Era cruel assumir essa correlação, mas efetivamente a agitação de ter o pai em casa, dado o amor desmedido da menina por ele, parecia potenciar a tragédia. 

Ou seria antes a angústia que a filha sentia ao assistir às frequentes discussões que os pais tinham agora? 

Talvez fosse esse o real motivo que a impelira a protelar e fazer vista grossa a essa associação.


Seguiram as indicações que o médico lhes ia dando e fizeram todos os esforços para manter o quarto da criança o mais amplo possível, livre de móveis baixos ou objetos onde ela se pudesse magoar. 

Contudo isso convertera uma divisão que devia ser acolhedora para a criança, num lugar impessoal e sem alma. 

Era algo que corroía o coração de mãe que sofria com a menina a cada tombo. 

Aplicaram as medidas de segurança que lhes eram possíveis, tal como fechar bem todas as janelas e portas, mas mesmo assim falharam como pais.

Sabiam que o quarto da menina devia ser no piso térreo, no entanto teimaram em não fazer essa alteração. 

Para além de comprometer toda a funcionalidade do duplex, a nova localização do quarto deixaria a menina perto da cozinha, uma fonte dos mais variados perigos.

Estavam cientes de que era uma questão de tempo até eles se esquecerem um dia de trancar a porta do quarto da criança. 

Contudo não mediram bem as consequências que isso poderia ter para a ela. 


Assim, certa noite, a menina levantou-se e sentiu o magnetismo do perigo daquela escada e a desgraça aconteceu. 

Recorda-se de tentar reanimar a menina sem qualquer sucesso e do marido ao telefone, desesperado, com o médico. 

Havia sangue, muito sangue. Foram minutos de terror em que temera o pior. 

Contudo o marido sentiu o pulso da criança e empenhou-se em estancar o sangue que saia dum golpe profundo na testa da menina. 

O médico não tardou muito em chegar e ao fim de alguns pequenos testes no local assumiu que o pior já tinha passado.

– Em princípio foi tudo um grande susto. – disse o médico. – No entanto, é essencial que levem a menina ao hospital e façam testes mais profundos para garantir que ela está realmente bem.

Não hesitaram e, após a menina estar mais estável, foram para o hospital. 

Como habitual, na triagem, tiveram que explicar da forma possível a queda da criança. Os testes comprovaram que tudo estava bem e respiraram de alívio. Foi então que surgiu a grade!

No regresso a casa, o marido teve essa ideia. Era algo pouco ortodoxo. No primeiro segundo ela abominou a imagem da sua menina atrás de umas grades, ainda que fosse só durante a noite. 

Mas no minuto seguinte, entendeu que a segurança da filha era o que realmente importava, e eles não voltariam a facilitar. 

O marido aplicou engenhosamente a grade e comprou um sistema de walkie-talkies para que, sempre que a menina precisasse de alguma coisa durante a noite, pudesse comunicar com os pais.

Claro que era constrangedor ver o quarto com aquela grade posta durante a noite e a menina atrás dela. Felizmente a filha aceitara esta nova realidade, sem grande relutância. 

Surpreendera-lhe a compreensão que ela demonstrara, dentro do que é razoável esperar de uma criança daquela idade. Os resultados tinham sido animadores. 

Os incidentes durante a noite foram totalmente eliminados e agora ela e o marido podiam dormir descansados, algo do que tinham sido privados há muito tempo. 

Simultaneamente ambos passaram a trabalhar ainda mais afincadamente com o intuito de reunir dinheiro e levar a filha aos melhores especialistas, na busca de uma solução para o problema.


– O parecer de muitos desses especialistas estão reunidos aí nessa pasta que lhe entreguei. – disse ela ao inspetor, que mais uma vez passeava pelas folhas nele contidas.

– Há aqui a uma referência a que a criança pode ser violenta durante estes episódios de sonambulismo.

– Exacto! – comprovou ela, sem hesitação. – Tentar acordá-la ou contrariá-la abertamente por vezes despoletava esse comportamento mais violento. Com o tempo aprendemos a lidar com ela nesse estado.

O inspetor parecia não estar ainda satisfeito com as respostas que obtivera. O que ele quereria ainda mais? 

O quotidiano da vida deles com a menina basicamente era guiado por todas aquelas limitações que descrevera.

– E vocês? – questionou o inspetor finalmente. – Como tudo isto afetou a vossa vida de casal?

Ela sentiu o esposo agitar-se na cadeira, incomodado com a questão. 

Ela também não sabia até que ponto estava preparada para falar desse assunto ao polícia, afinal tinha preferido saltar todas as discussões e o afastamento entre ambos no relato que terminara.


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Olá pessoal,

espero que algumas peças já se vão encaixando a este momento. O que estão a achar?

Deixem os vossos comentários e votem no capítulo.

Um abraço.

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora