80§ O melhor presente

130 18 4
                                    

----------

< Capítulo anterior: 79§ Motivações dúbias

Amor genuíno pela criança ou um insaciável desejo de vingança? As verdadeiras motivações da mulher foram postas em causa, num momento em que ninguém tinha ideia de como resolver aquele impasse, excepto a assistente social...

----------

- MÃE -

Acordou no meio da sala, ainda com alguns álbuns de fotos espalhados pelo chão e as luzes cintilantes da árvore, naquela coreografia sincronizada. 

Já era de manhã cedo, podia ver a luz entrar pela janela, acompanhada pelo frio que percorria todo o seu corpo.

Adormecera ali no sofá da sala, após uma noite longa de espera por notícias do marido. Ficara impaciente perante essa ausência de comunicação. 

Provavelmente, estaria a ser exagerada! Afinal, tinham passado apenas uma dúzia de horas desde que ele lhe ligara, ainda antes do jantar. 

O que era isso num casamento que fora, desde sempre, pautado por longos períodos de silêncio por parte do marido?


Ao longo da noite, tentara ligar-lhe algumas vezes, mas não fora atendida. Arremessara o telemóvel para um canto, num claro ato infantil de protesto. 

Como ele a podia deixar assim, sequiosa de novidades, num momento tão crucial? 

Sentira-se como aqueles espectadores de uma série televisiva de culto que ao terminar mais uma temporada, os deixava pendurados num gancho de cortar os pulsos, por quase um ano.

Aproveitara para entreter a sua cabeça de alguma forma. Pegara nos álbuns de fotografias e espalhara-os pela sala. 

Agradecia este estranho hábito que sempre acalentara: o de mandar revelar as melhores fotografias que tivesse capturado com o seu telemóvel. 

Perdera-se naquela foto-viagem ao nascimento da sua menina, aos primeiros passos cambaleantes e aos consecutivos aniversários! 

Como a vida nos retratos era sempre tão mais sorridente e feliz do que na realidade!

Página a página revivera cada um daqueles momentos, reconstruindo-os de uma forma mais cabal na sua cabeça, ao recuperar algumas imperfeições ocultas aos "olhos da câmera". 

Mas, na verdade, eram esses pequenos espinhos que faziam deles humanos, com sentimentos, dilemas e inquietações. 

Não contivera as lágrimas ao embarcar de novo nas férias despretensiosas em família, que eles os três tinham desfrutado diversas vezes.

Algum tempo depois, lembrara-se de ir recolher o correio acumulado de dias. 

Para variar, contas e mais contas, misturadas com folhetos a incentivar as típicas compras para aquela estação festiva. 

Só naquele momento se lhe fizera o clique: a noite seguinte seria a grande noite da celebração em família. 

Com toda a turbulência em que a sua vida imergira, perdera completamente a noção de quão próximo esse dia especial estava.

Não comprara qualquer presente e nem sequer enfeitara a casa para a época. Essas eram coisas que costumava fazer em conjunto com a sua filha. 

Embora a pequena pouco ajudasse, era o entusiasmo dela que dava toda a graça aos preparativos. Reunira forças e fora buscar a árvore do ano anterior à dispensa. 

Ela estava sozinha naquela noite fria, sem notícias nem companhia. Por isso, ir-se-ia ocupar a decorar pacientemente aquele pinheiro artificial. 

Certamente que, desse modo, sentir-se-ia mais próxima da sua menina.

A mente divagara pelo intento falhado que encetara mais cedo, naquela tarde. Juntamente com o barman tinha ido à delegacia, na expetativa de flagrar a sequestradora. 

Mas, mais uma vez, todas as suas esperanças tinham sido frustradas. Perante a completa negação e apatia dos policiais, valera-lhe o consolo do ombro amigo, e sempre presente, do empregado do bar. 

Havia algo de especial nele, tinha de admiti-lo. Se as circunstâncias da vida dela fossem outras, era provável que o relacionamento entre os dois pudesse ter ido muito além da amizade.

Foi pendurando as bolas nos ramos, como que vendo a sua filha ali consigo, tal como ocorrera em anos anteriores. Infelizmente, desta vez tudo seria diferente. 

O mais que podia almejar era a companhia do marido, os dois à mesa, num ambiente que se assemelharia mais a um velório do que a uma festa. 

Seria a primeira ocasião sem a filha, irrequieta, na ânsia que chegasse a meia-noite para desembrulhar todos os presentes.

A última lembrança que tinha, antes de ter cedido ao sono, exausta emocionalmente, fora a de apreciar aquelas luzes harmoniosamente acesas na árvore.

***

Levantou-se e procurou o telemóvel. Iria ligar de novo ao marido e, caso este não atendesse novamente, telefonaria ao padrinho. Não suportava amanhecer naquela ignorância. 

No entanto, após encontra-lo, ouviu a fechadura da porta de casa rodar. Aguardou nervosamente que a pessoa entrasse. 

Finalmente, viu o marido entrar com um semblante cansado e abatido. Apeteceu-lhe dirigir-se a ele e bater-lhe, reclamando pelo seu silêncio. 

Conteve-se no seu canto, fitando-o com irritação, e aguardando que ele falasse duma vez o que tinha descoberto.

Subitamente, viu o traço incipiente dos lábios do marido se abrir num sorriso e uma criança surgir detrás dele, a correr em direção a si. 

Uma nuvem de água assaltou-lhe os olhos e o seu coração desmoronou-se numa emoção ímpar, que jamais sentira. 

Quando a menina se atirou para os braços dela, foi como que o mundo outrora cinzento, se iluminara de novo com toda a vivacidade de cores.

– Meu amor! – soluçou, por entre todo aquele emaranhado de emoções que apertavam o seu íntimo.

Chorou longamente abraçada à sua filha! Desta vez, fora ela que recebera a melhor prenda que uma mãe podia ganhar! Fora abençoada com um verdadeiro milagre naquela época festiva. 

Beijocou a cara da criança, deixando-a algo confusa. Ao fundo, notou o marido visivelmente emocionado, incapaz de conter as lágrimas. 

Ela esticou um dos braços na direção dele, e ele aproximou-se, aninhando-se também naquele abraço de família.

– Amo-te! – confessou-lhe ela, beijando-o na boca, no meio de tantas lágrimas.

– Mamã, tenho fome! Quero um iogurte! – reclamou a filha.

Sorriu perante a espontaneidade da menina, a qual não se refreara de interromper aquele momento. Beijou de novo o marido, o seu salvador! 

Era incapaz, naquela altura, de dar qualquer relevância a todo o dano que aquele homem lhe fizera. Olhava-o agora com outros olhos, embebecida de orgulho dele. 

Afinal tinha-se casado com um indivíduo capaz de mover meio mundo para a fazer feliz e lutar pela sua família.

Foi até à cozinha, para preparar o pequeno-almoço da criança. No seu campo de visão periférico não descurava aquele cenário: o marido e a filha, juntos, a contemplarem o pinheiro singelamente decorado.

Acariciou o ventre, sentindo-se por fim completa! Finalmente estava preparada para encarar aquela nova criança que vinha a caminho, e que poderia contar com a companhia da irmã.

==========

Um capítulo especial para todos vocês! O Natal chegou mais tarde aqui na história, mas aí está!

Um forte abraço com muita amizade para todos.

Próximo capítulo: Sexta

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora